
O diretor Neil Blomkamp é um sul-africano branco que cresceu em meio ao grotesco e sanguinário regime de apartheid, sendo que tinha 15 anos quando Nelson Mandela foi eleito o primeiro presidente negro do país, em 1994. A julgar pelo seu presente, foi um jovem impactado pela esquerda com todo o processo. Seu filme anterior, Distrito 9 (de 2009), faz uma metáfora justamente sobre oapartheid, num contexto futurista, substituindo os negros por alienígenas. A metáfora da vez é sobre a luta de classes, mas agora sem substituição de personagens. Blomkamp coloca nas telas de todo o mundo o mais clássico operário, metalúrgico, de macacão azul e que aperta parafusos, como o herói da sua história. Os vilões também não podiam ser mais clássicos: empresários gananciosos, governantes corruptos, os ricos, em uma palavra, a burguesia. Comparado com clássicos do seu gênero, como Mad Max (1979), Exterminador do futuro (1984) e Matrix (1999), logo se vê que Elysium tem um contexto diferente.
Cenas como o acidente de trabalho sofrido pelo personagem principal, quando é coagido por seu supervisor de linha a arriscar a própria vida para não atrasar a produção, ilustram os acidentes que acontecem a cada 15 segundos em nosso mundo, sendo 5 mil mortes do tipo por dia, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho). A precariedade dos hospitais públicos, a repressão policial e a forte pressão social para que trabalhadores busquem no crime formas mais viáveis de aproveitar a vida são outros exemplos do que o Blomkamp queria dizer quando respondeu a jornalistas: "Todo mundo quer me perguntar ultimamente sobre as minhas previsões para o futuro"..."Não, não, não. Este não é ficção científica. Este é hoje. Este é agora"².
É verdade que no filme, o personagem principal, apesar de trabalhar na fábrica central do sistema, não age com consciência ou interesse de classe. Apesar disso, também vemos que o que move o segundo personagem (algo como um crime organizado) é uma busca para que todos sejam reconhecidos como cidadãos, desfrutando então dos avanços dos meios de produção, para acabar com as doenças e a miséria. Talvez, na metáfora a estratégia que prima, se assim podemos dizer, seja mais para a guerrilha, mas isso é outra discussão. Uma pena que, aparentemente, Neil Blomkamp não conheça ideias como as de Trotsky, quando o mesmo diz “O proletariado produz armas, transporta-as, constrói os arsenais em são depositadas, defende esses arsenais contra si mesmo, serve no exército e cria todo o equipamento desse último. Não são fechaduras nem muros que separam as armas do proletariado, mas o hábito da submissão, a hipnose da dominação de classe... (Aonde vai a França?), para aguçar sua inspiração politizada. De qualquer forma, Elysium varre a poeira de fim da história porque, mesmo sem ser essa a intenção de Neil Blomkamp, mostra como o poder dos que exploram vem do trabalho dos que produzem. E mesmo que o desfecho por ele proposto seja questionável, sua lógica de recolocar a dinâmica da luta de classes como motor dos acontecimentos mais importantes da humanidade, num filme que será assistido por milhões de jovens em todo o mundo, merece uma saudação.
¹Teoria que vem do século XIX, resgatada e revigorada pelo norteamericano Francis Fukuyama, em 1992. Segundo ele, após a queda do Muro de Berlim (1989), com a “derrota do socialismo real”, a humanidade haveria chegado ao máximo de sua evolução, que seria a democracia liberal. Com isso, negava a necessidade histórica dos trabalhadores organizados tomarem o poder de modo revolucionário e reorganizarem a sociedade sob novas bases materiais para libertar a humanidade das contradições do capitalismo.
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