por Letícia Oliveira
Nos últimos dias recebemos a denúncia de que havia um grupo
público do Facebook intitulado "Encochadores" divulgando matérias e
histórias repugnantes de casos de assédio sexual nos transportes públicos. Tal
grupo defende e propagandeia essa prática livremente pela web sem nenhum tipo
de punição ou investigação.
Os
encochadores e o machismo de cada dia
Após horas e horas de
expediente de trabalho, mulheres em todo o país são forçadas pela péssima
qualidade do transporte público a pegar ônibus, trens e metros extremamente
lotados. A prática de assédio sexual, a qual faz referência esse grupo do
Facebook, é um dos maiores medos de cada trabalhadora em nosso país. É certo
dizer que quase toda mulher já passou por isso em uma ida ou volta ao trabalho,
e que sentiu-se totalmente indefesa para evitar tal abuso. De fato, o que se
pode fazer? Em um transporte tão lotado, não há muito para onde fugir, e por
vezes diversas mulheres, como me foi testemunhado a partir das denúncias que
abrimos no Facebook, desistem de fazer qualquer coisa e torcem para que o abuso
da "encochada" acabe o mais rápido possível.
Os
"encochadores" relatam livremente a sua repugnância: "meu junior
durasso pra fora da cueca... só sei que na plataforma da estação anhangabaú eu
já estava cutucando a polpa da bunda esquerda dela bem a vontade esfregando de
leve... quando entramos lá dentro me posicionei e já mergulhei meu pau deitando
no meio da bunda dela... a que sensação d bem estar maravilhoso... rs... dai eu
deixei ele reto e entuxava no meio dela a calça entrou mais ainda... rs... ela
quieta o tempo todo até a estação carrão na saida apertei a bunda dela...
aaaahhhhhhh... fiquei com essa ecochada até agora no pensamento... rs".
Independentemente das denúncias
realizadas por uma série de mulheres, o Facebook mantém a página ativa,
alegando que "não fere os princípios de comunidade do Facebook".
Ao fazer uma alegação
como essa o Facebook nos leva a compreender ainda melhor uma triste realidade:
no machismo de cada dia, que perpassa todas as relações, principalmente as de
trabalho, abusos como este estão muito longe de ser considerados por qualquer
empresa ou grande corporação como uma violência como de fato é.
O prazer que estes
homens sentem não é nem de longe um desvio social. É apenas uma expressão mais
aguda do que a sociedade nos educa todos os dias através das relações de
trabalho e da ideologia dominante presente em cada filme, novela, propaganda ou
jornais produzidos pelas grandes corporações de imprensa. Aprendemos em todos
esses espaços que a mulher vale muito pouco ou quase nada, recebendo em média
2/3 do salário de um homem, e se for negra, menos da metade do salário de um
homem branco.
Reagir
ou não reagir, eis a questão
As mulheres vivem todos
os dias de sua vida com a ameaça constante de algum tipo de violência moral,
sexual ou doméstica. O Brasil lidera os rankings de casos de violência, tendo
totalizado no primeiro semestre do ano passado mais de 260 mil denúncias de
violência doméstica. No ano passado, o IPEA revelou que a cada 90 minutos uma
mulher é assassinada no Brasil vítima de violência doméstica. Em 2013, o
Sistema Único de Saúde brasileiro recebeu cerca de 2 mulheres por hora com
sinais de violência sexual, totalizando mais de 2300 casos, sem contar as
mulheres atendidas no sistema privado e as multidões de mulheres que por
vergonha deixam de procurar auxílio médico nesse tipo de situação.
Por essa realidade, não
são poucas as mulheres que evitam andar sozinhas durante a noite, usar roupas
curtas ou envolver-se com pessoas desconhecidas. Apesar de corretas em sua
prevenção, essas medidas dão a entender que o problema da violência sexual é
culpa da própria mulher. Que seus hábitos e vestuário são os grandes culpados
por aquele trauma, quando na verdade o culpado por toda essa violência que
sofremos é um sistema econômico que desenvolve uma ideologia machista
totalmente favorável a sua dominação.
Ao convencer o conjunto
dos trabalhadores de que as mulheres são inferiores, facilitam a super
exploração de metade da humanidade e economizam com serviços que, se não
cumpridos pelas mulheres, sairiam bastante caros para esses que precisam de
tanto lucro, como são os serviços de lavanderia, cuidado de filhos e idosos,
alimentação etc.
Contra a sua própria
responsabilização sobre cada um desses casos de violência, o Estado burguês nos
culpabiliza ao passo que cria Globelezas e mulheres submissas em suas novelas
e, se durante o dia rouba nosso dinheiro, à noite tenta nos fazer escandalizar
nos jornais com os casos de estupro.
Nenhuma mulher deve se
envergonhar ao ser assediada nos transportes ou em qualquer outro lugar. A
vergonha deve ser carregada por esses homens e pela burguesia que lucra todos
os dias com a nossa opressão, inclusive com os transportes cada vez mais
lotados que pagam suas festinhas privadas e seus ganhos extras com corrupção.
É
possível que o transporte seja um lugar agradável?
Sim! A vontade de todo trabalhador ao sair do trabalho é pegar
um metro, um trem ou um ônibus sem estresse. A qualidade de vida de uma
realidade dessa é impensável para nós hoje em dia. A única justificativa para
que o transporte siga sendo assim é o fato de que é gerido e administrado pelos
que não usam o transporte como meio de locomoção e que dele não extraem nada a
não ser os lucros exorbitantes.
Durante as recentes
jornadas do transporte e as que colocaram o Brasil no cenário da juventude
internacional em junho de 2013 já defendíamos que a única saída para que o
transporte fosse de fato público, de qualidade e atendesse às necessidades dos
trabalhadores era a partir da estatização sob controle dos trabalhadores e
usuários.
Nesse espaço, a partir
da clareza de que a opressão à mulher não deve ser reproduzida pelos
trabalhadores pois a nós de nada serve essa ideologia, é possível que as
mulheres trabalhadoras e usuárias do transporte possam pensar medidas efetivas
de combate ao assédio sexual nos trens, metros e ônibus. Não houve por parte
das administradoras públicas e privadas nenhuma medida efetiva de combate a
essa prática a não ser campanhas estéreis e esparsas que jamais passaram pela
solidariedade entre as trabalhadoras e as usuárias ou em campanhas de
vigilância dos próprios usuários para denunciar e repreender cada caso que
presenciassem.
Os
homens são parceiros na luta contra o assédio?
Neste tipo de discussão
é comum que as mulheres passem a encarar todos os homens como seus inimigos na
luta contra a opressão. A verdade é que os homens, apesar de parcialmente
beneficiados pelo machismo dentro de suas casas e pelo direito que recebem de
nos insultar na rua, tocar em nossos corpos ou nos violar, não são os que
verdadeiramente ganham com o machismo. Apenas a burguesia - proprietária dos
meios de reprodução da vida como as fábricas, os bancos e outros - ganha
qualitativamente não apenas com a opressão às mulheres, mas também com o
racismo, a homofobia, a transfobia, a xeonofobia e todas as possíveis formas de
opressão. Esse é o melhor caminho que ela encontra para dividir e enfraquecer a
classe trabalhadora e lucrar mais ao determinar postos de trabalho mais
precários para aqueles que não obedecem o padrão "homem, branco,
heterossexual".
Portanto, a melhor luta
contra a opressão é aquela que se faz lado a lado, trabalhadores e oprimidos,
numa luta unitária contra toda forma de opressão e exploração, negando a
divisão das fileiras operárias e abraçando a causa de todos aqueles,
trabalhadores ou não, que sofrem cotidianamente da opressão de gênero, raça,
etnia ou nacionalidade.
Assim, é possível
reconhecer que em cada vagão de metro, trem ou em cada ônibus em todo o mundo
as mulheres encontrarão nos trabalhadores e nas outras mulheres solidariedade
para interromper o assédio que estiverem sofrendo, e que a tarefa de cada uma
dessas mulheres é lutar para que possa, junto aos seus irmãos de classe e
oprimidos, determinar o que será feito de cada um desses vagões e ônibus
através de um controle operário e popular dos transportes.
Registros de telas usados
para a denúncia de conteúdo feita ao Facebook