sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O que há por trás da Mídia NINJA?

por Alberto Suzano

Nas manifestações que ocorreram por todo o Brasil em junho deste ano, um grupo de jovens, portando celulares equipados com internet 3G e carregados via notebooks levados em mochilas, fez a cobertura mais próxima e contundente dos acontecimentos. Com transmissões ao vivo, filmaram diversas formas de violência policial, prisões (muitas vezes as próprias), entrevistaram os participantes das marchas e, como assumiram posição favorável aos protestos, cobrindo-os, mas também levantando bandeiras democráticas, não foram rechaçados por manifestantes, como ocorreu com diversos veículos da mídia tradicional (que chegou a ter carros queimados e repórteres expulsos dos atos). Isso fez com que eles tivessem informações e imagens que o jornalismo tradicional não teve acesso, dando “furos” e contradizendo, com provas cabais, os jornalões e os grandes canais de TV, ainda mais com o compartilhamento massivo de seus conteúdos por todo o Brasil, via internet.
Intitulando-se como mídia NINJA (abreviação para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), o grupo tomou corpo pouco antes dos protestos, por iniciativa do jornalista Bruno Torturra. Em uma espécie de manifesto, Bruno elenca diversos problemas que existem na categoria dos jornalistas, como salários achatados, falta de autonomia, demissões em massa, falta de unidade entre os profissionais, para chegar à conclusão de que os inconformados com a situação deveriam tentar algo diferente. Assim, o grupo é fundado como parte integrante do coletivo cultural Fora do Eixo (FdE).
Mas se o NINJA é um grupo que se posiciona politicamente (como se demonstrou posteriormente, nos protestos), a serviço de que ele atua? Quer a democratização da comunicação ou uma fatia de mercado? Não há uma carta de princípios que norteia os adeptos. Aparentemente, eles apenas publicizam as revoltas populares ligadas ao seu público (predominantemente composto por membros da classe média), sob uma perspectiva interna (de dentro das manifestações). No entanto, há aspectos que mostram o que há por trás desse grupo de jovens.
Posicionamento político x independência
Jornalista nenhum é imparcial, pois o mito da objetividade só existe para que a mídia corporativa venda o seu pensamento como verdade acima do bem e do mal. No jornalismo alternativo isso não é diferente, ainda mais porque grupos deixam mais claras suas posições políticas. Mas é necessário que os recursos materiais não interfiram na produção, sob o custo de ferirem a independência editorial.
Explicando melhor: ao se aliarem ao FdE, os ninjas conseguiram um esquema de financiamento para o projeto alternativo que elaboraram. Mas o FdE se financia com verba pública (oriunda de editais), tem patrocínio de empresas privadas e relação com determinados grupos políticos como Rede, PV e o próprio PT (veja mais aqui), nada interessados, por exemplo, na expansão massiva das lutas por demandas básicas que começaram nas jornadas de junho. Como se tratam de partidos da ordem, com muito rabo preso e, em certos casos, envernizados de novidade, não vão construir métodos para que os trabalhadores e jovens consigam levar até o final um questionamento explosivo acerca do regime, colocando várias de suas estruturas em xeque e propondo alternativas reais.
Partindo da concepção materialista de que o que determina as escolhas (no caso, a linha editorial do jornalismo alternativo) são as condições materiais, passa a haver uma relação de interesses entre quem garante o financiamento do grupo e os próprios produtores de conteúdo, no caso específico. Bem parecido com o que acontece na mídia tradicional.
Para que o questionamento das estruturas sociais seja profundo e vá até a raiz do problema, sem correr o risco de se corromper pelo caminho, é necessário que haja independência política, que só se dá com independência econômica. Isso, os ninjas não têm.
Ainda mais se formos verificar as concepções do FdE para expansão de sua rede capilarizada. Em relato recente que circula nas redes sociais (confira aqui a íntegra), a cineasta Beatriz Seigner dá exemplos chocantes de como o que menos importa na rede de coletivos é a arte, mas a expansão da marca FdE, mesmo que para isso seja necessário aliança com vereadores, secretários de cultura, empresários e congêneres, que não desejam nem de longe a melhoria dos serviços básicos para a população e democratização da informação e da cultura.
Uma amostra dessa contradição é a aversão que muitos grupos políticos mais contestadores e com base na periferia, como o movimento do Hip Hop em São Paulo, as Mãe de Maio, o Cordão da Mentira, a Associação de Moradores da Favela do Moinho, entre outros, costumem expulsar membros do FdE de seus atos, pois são acusados de quererem representá-los sem terem esse direito, junto a políticos governistas e conservadores da pior espécie.
“Ah, mas eles cobriram e estão cobrindo os protestos”. Sim, mas até agora, a cobertura não entrou em contradição direta com os interesses que estão por trás deles, até pela massividade que atingiram (vide que a própria grande imprensa passou a apoiar os protestos). Eles acompanharam o público jovem das redes sociais nas marchas, que é sua fatia de mercado e seu principal termômetro. Sem contar que, segundo Seigner, é prática comum a produção cultural de um indivíduo ser "despessoalizada" para que o FdE apareça como grande realizador, mesmo a pessoa em questão não se reivindicando parte do coletivo. Ou seja, está em cheque também a autoria dos vídeos produzidos.
Mundo analógico
Houve méritos evidentes. Os ninjas foram às ruas e "inauguraram" de verdade a transmissão via celular em tempo real no Brasil. Conseguirem fazer algo nacionalmente relevante, de forma alternativa e com poucos recursos. Mas o que devem fazer os milhares de jornalistas de pequenas redações de todo o Brasil que sofrem com os diversos problemas da categoria? E os trabalhadores que consomem a informação que ainda é analógica?
A insatisfação de Torturra com as péssimas condições do trabalho jornalístico no país é correta, mas desemboca numa saída errada. Em vez de se questionar sobre como alterar as estruturas que regem os grandes meios de comunicação (braços ideológicos dos poderosos, e que utilizam concessão pública – como os canais de TV aberta, para funcionarem com finalidades privadas), militando por medidas como estatização sob controle dos trabalhadores e da população de canais de televisão, o jornalista preferiu fundar um grupo que pode atuar de imediato, mas que, no máximo, instiga os demais membros da categoria a terem iniciativas parecidas.
Ocorre que essa saída não questiona o modo como a produção de informação no Brasil está pautada. Pelo contrário, ela até o corrobora. Se o modelo FdE/NINJA se expandisse, empresas privadas capilarizadas em rede, que exploram, sob condições distantes das estabelecidas pela lei burguesa (veja mais aqui e aqui), a mão-de-obra dos “colaboradores”, seriam fortalecidas. Sem contar que simplesmente não existe espaço para que todos os profissionais sigam esse método e consigam se manter em condições dignas.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o produtor cultural Pablo Capilé, idealizador do FdE, afirmou que a NINJA pode oxigenar a mídia convencional.
A população não quer que a mídia tradicional se oxigene para usar de forma privada um direito que deveria ser público (o acesso à informação de qualidade) e, assim, encher seus bolsos reforçando estereótipos ou criminalizando os trabalhadores e o povo pobre. A luta é para que haja uma real democratização dos meios, para que os trabalhadores possam escolher o que assistir, ler e produzir.
A Mídia NINJA mostrou que há um espaço importante de contrainformação mal utilizado pela esquerda na internet, especificamente nas redes sociais. Mas um jornalismo alternativo não pode se contentar em obter sua reserva de mercado, sendo financiado por governo e empresas, enquanto a mídia corporativa se mantém intacta e os jornalistas e a população vivem no mundo analógico que o FdE diz não existir mais. 

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