sábado, 2 de março de 2013

Sobre a vinda de Yoani Sánchez ao Brasil e um debate necessário com a esquerda


Adriano Favarin, estudante de pedagogia, USP 
Guilherme Kranz, estudante de letras, USP 
Paulo Henrique Marçaioli, estudante de direito, USP




A cubana Yoani Sánchez atraiu grande atenção da mídia brasileira nos últimos dias, em parte pela popularidade que adquiriu nos últimos anos com seu blog Generación Y, mas principalmente pelo alvoroço que os grandes veículos fizeram acerca das manifestações da UJS e outros grupos durante sua passagem pelo país.

Em seu ciclo de palestras por diversas cidades do Brasil, militantes da UJS (União da Juventude Socialista - juventude ligada ao PCdoB e que atualmente dirige a UNE) fizeram atos em protesto à blogueira. Chamavam-na de "agente da CIA" e a acusavam de ser financiada pelo imperialismo devido aos prêmios internacionais.

Nesse cenário a grande mídia vem criando uma polarização falsa: de um lado a "esquerda" autoritária, antidemocrática e ditatorial representada pela juventude pró-Fidel, de outro lado o baluarte da liberdade, da democracia e dos direitos humanos representada por Yoani. Vamos com calma para não nos perder.

Comecemos pela UJS. A organização acusa Yoani de ser uma agente financiada pelo imperialismo para destruir o regime castrista. Para chegar a essa conclusão a juventude do PCdoB parte do pressuposto vulgar de que se alguém se coloca contra o regime castrista – que não é o mesmo que estar contra as conquistas da revolução de 1959, ainda que Yoani, de fato, seja inimiga de ambos -, esse alguém colabora com o imperialismo. A mobilização da “juventude socialista” cujo partido está de braços dados com o agronegócio não está, em termos prático, à serviço da luta pela emancipação do povo e dos trabalhadores cubanos, mas em defesa da burocracia governamental. Seja como for, de acordo com a lógica formal dos dirigentes da UNE, ou você está com os imperialistas, ou você está com Fidel e Chavez. A verdade é que ambos têm diferentes políticas para o mesmo objetivo: restaurar o capitalismo em Cuba. A mesma lógica serve como base teórica para defender o massacre à população Síria. Os militantes que atacam a blogueira com acusações baratas são os mesmos que apoiam o regime do Assad na Síria, são os mesmos militantes que apoiam o governo de Chavez quando manda petróleo para o exército sírio poder abastecer seus tanques e carros nessa verdadeira chacina.

É no mínimo irônico a UJS, e outros setores próximos ao governo federal como a Consulta Popular, criticarem a blogueira por receber financiamento estrangeiro enquanto aqui no Brasil fazem campanhas milionárias para o PT, como foi o caso da campanha de Haddad para a prefeitura de São Paulo que recebeu dinheiro de empreiteiras. Na lógica nacional desenvolvimentista dessas organizações não há problema no financiamento das burguesias nacionais, o problema são as estrangeiras.

A polêmica com a UJS, com a Consulta Popular e com os setores do PT que condenam Yoani Sánchez não é uma questão menor. Sua política não é a defesa da revolução cubana, mas da burocracia castrista que está atacando as conquistas daquela revolução. Por mais que a blogueira não tenha tanta popularidade na ilha como no resto do mundo, a mídia burguesa vem investindo em uma grande campanha de marketing para exaltá-la como uma heroína triunfante contra o suposto "comunismo" castrista. Ainda há hoje grandes setores na esquerda brasileira e mundial que veem o regime de Cuba como um grande exemplo do socialismo real. Não só enxergam a ilha como um bastião do socialismo, que sobrevive ao lado da maior potência imperialista do mundo, como também analisam a revolução cubana de um ponto vista menos crítico do que entusiasta. Tampouco é uma questão menor uma vez que esses são os mesmos setores que apoiam acriticamente o “socialismo com patrões” de Chavez, o governo burguês de Lula e Dilma e compõem uma base governista considerável no cenário nacional.

Deve-se haver uma discussão profunda sobre essas questões. Boa parte da esquerda brasileira apoia acriticamente o regime cubano e condena todos aqueles que a ele se opõem, desconsiderando completamente a alternativa política das massas e dos trabalhadores cubanos de lutarem contra a restauração capitalista, seja conduzida pela burocracia seja pelo imperialismo dos gusanos. A construção de uma sociedade socialista necessita de debates abertos como esses. 


A necessidade de denunciar Yoani e sua falsa jornada em defesa da liberdade de expressão.


Infelizmente, setores da esquerda sucumbiram à propaganda da mídia burguesa brasileira e do imperialismo segundo o qual Yoani seria uma “vítima” da falta de liberdade de expressão por meio da censura em cuba. Ocorre que a jornalista do imperialismo conta com enorme aparato profissional e financeiro para sustentar seus blogs. O sítio eletrônico é traduzido em mais de 20 línguas, contando portanto com profissionais de comunicação e tradutores, pagos sabe-se lá como. Igualmente, não se sabe como a blogueira poderia ser uma vítima da censura quando a mesma é conhecida no mundo todo, contando com diversos prêmios e podendo escrever em todos os jornais burgueses do planeta. É, portanto, preciso reiterar que Yoani não é nenhuma referência de luta por mais liberdade de expressão. A liberdade de expressão da jornalista do imperialismo é a liberdade dos grandes oligopólios midiáticos: a liberdade de expressão do mercado.

Yoani é diretamente financiada pelo imperialismo, por meio dos principais órgãos de comunicação burgueses (incluindo o Estadão que a considera sua “articulista”), passando pelo direitista Instituto Millenium. O espúrio apoio encontrado no Brasil por Aécio e seu PSDB (que quer posar de “democrata” enquanto manda prender por formação de quadrilha 72 estudantes em São Paulo) igualmente ilustra bem qual é a política da blogueira. O imperialismo– que na ditadura militar corroborou com todas as torturas e prisões – se fez presente no Brasil por meio desta Blogueira. 

Nesse sentido, Yoani representa a simbologia da restauração capitalista em curso avançado pela qual passa Cuba hoje. Diferente do PSTU, que caracteriza Cuba como um estado capitalista e se coloca lado a lado com a blogueira Yoani nessa sua reivindicação abstrata de liberdade de expressão, nós, da Juventude às Ruas, não nos identificamos com aqueles setores ligados à pequena-burguesia, à burguesia gusana e ao imperialismo na luta abstrata por liberdades democráticas. Sabemos, como foi com os processos de restauração capitalista no Leste Europeu, que o interesse desses setores ao reivindicar “liberdades democráticas” significa, na prática, defender a democracia burguesa e a restauração capitalista em sua face mais selvagem. 

Nós nos apoiamos na tradição do marxismo revolucionário da luta de Trotsky contra o regime burocrático stalinizado da URSS e defendemos as liberdades democráticas quando essas signifiquem especificamente a liberdade de organização dos trabalhadores e a legalização dos partidos que defendem a manutenção das conquistas da revoluções, com um programa que defenda a democracia nos locais de trabalho para a constituição de conselhos operários; a luta contra a burocrática Central dos Trabalhadores Cubanos para barrar as tendências avançadas de restauração, acabando com os privilégios da burocracia castrista e exigindo o fim do embargo imperialista. 


A Natureza Política do regime Cubano: um debate necessário 


Durante a visita de Yoani no Brasil, assistimos a outra posição política equivocada acerca do sentido da turnê (financiada pelos oligopólios da mídia mundial) da jornalista pelo mundo. Organizações como o PSTU e seus aliados fazendo coro junto ao discurso imperialismo, denunciam corretamente a falta de liberdade de expressão em Cuba, não levantando, porém, uma crítica qualificada a Yoani, revelando ceticismo quanto ao caráter reacionário do discurso dos gusanos (“vermes”, burguesia cubana exilada em Miami desde a revolução de 1959). 

Cuba mantém os traços de um estado operário deformado a passos avançados de restaurar o capitalismo. Em Cuba existe uma disputa de dois projetos igualmente reacionários e que sempre voltam ao cenário quando o a ilha entra em pauta na opinião pública. Em um lado está a burocracia castrista, encastelada em seus privilégios e que tem buscado restaurar o capitalismo em Cuba mantendo os seus privilégios como direção e partido do regime, aos moldes da China. Nesse lado se colocam os populistas e stalinistas de diversas matizes sem nenhuma diferenciação dos Castro, mas com a retórica de defesa da Revolução de 1959. Do outro lado está a burguesia gusana de Miami, apoiada pelo imperialismo, que quer restaurar o capitalismo e a sua antiga posição dominante na ilha. Nesse lado se coloca o PSTU, a partir da sua análise segundo a qual Cuba já seria um Estado plenamente capitalista (negligenciando as diversas conquistas dos trabalhadores e povos cubanos por meio da revolução de 1959, como saúde e educação de qualidades, a menor taxa de mortalidade infantil das américas[1]) e é dirigido por uma ditadura, e fazendo jus ao seu programa de revolução democrática – revisão da revolução permanente do Trotsky – defendendo, como etapa necessária para a melhor localização do proletariado em sua luta contra a burguesia, o regime democrático burguês. Para se chegar nessa etapa, o proletariado poderia supostamente estar unificado com todos os setores anti-ditatoriais – no caso atual, inclusive com o imperialismo. Ignoram o fato de que a derrota dos Castros, se conduzidas pelo imperialismo e pelos gusanos corresponderia a um duro golpe às massas cubanas, implicaria na restauração capitalista em sua forma mais brutal e direta, por meio do esmagamento de cada uma das conquistas sociais na Ilha. 

É necessário colocarmos claramente que defendemos a transformação dessa disputa entre dois projetos reacionários na luta da classe operária cubana contra a burocracia castrista, independente do imperialismo e de qualquer variante burguesa (seja ela gusana, Lulista, Chavista etc...), a partir de uma revolução política que derrube os Castro, esmague a restauração capitalista, resgate a tradição de lutas herdadas da revolução de 1959 e imponha um governo baseado nos conselhos operários e na democracia operária com a liberdade de organização e expressão de todos os partidos e organizações que defendam as conquistas da revolução de 1959. Partindo da superação da disputa entre os dois campos restauracionistas, ou preso somente à crítica de cada um deles, devemos ter claramente como palavra de ordem “nem burocracia, nem imperialismo gusano” e, por uma consigna positiva, travar a luta de classes no marco da revolução política da classe trabalhadora cubana sobre a burocracia castrista, de forma independente das burguesias e do imperialismo. 

Sem um debate sério sobre o regime cubano, seus entusiastas acríticos ou seus críticos sem distinção de classe mundo afora, dificilmente construiremos uma juventude revolucionária que se coloque de forma consequente ao lado da classe trabalhadora na luta contra as burocracias, as burguesias nacionais e o imperialismo. 





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