quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Greve USP: O que é Estatuinte e “Governo Tripartite”?


Por André Bof, estudante de Ciências Sociais da USP 



Como expressão do que de melhor as jornadas de junho deixaram à juventude, iniciou-se um novo momento na USP!

A partir do último dia 1º de outubro, com a ocupação da Reitoria e o início da Greve estudantil, milhares de estudantes se mobilizam e paralisam diversos cursos, buscando garantir um golpe contundente no Reitor que foi escolhido a dedo para “disciplinar” a USP.

A burocracia acadêmica e o REItorado estão divididos e frente a uma crise política que, num ano pré-eleitoral no estado de SP e de eleições para Reitor na USP, já complica os planos dos magnatas do PSDB que efetivamente usam a USP a seu bel-prazer. Estão diante de um impasse e nossa greve só se fortalece. A cabeça do REItor Rodas e seus vassalos nunca esteve tão em xeque. Há muito não estamos em condições tão boas para avançar.

Nesta situação, realizamos duas assembléias estudantis com milhares de estudantes, nas quais claramente se expressou o desejo dos estudantes em ir por mais, buscando questionar profundamente a estrutura de poder e o projeto de universidade que ela implementa, contra os negros, pobres, trabalhadores, enfim, um projeto contra a maioria da população.

Entre os estudantes se gerou muito debate e dúvidas sobre duas pautas que foram votadas como reivindicações e tem ganhado cada vez mais apoio: Um Governo tripartite e uma Estatuinte livre, soberana e democrática. O que seriam elas? Buscam alterar o que?

O que é a estrutura de poder na USP?

O absurdo da estrutura de poder da USP chegou a níveis escandalosos.

Existem quase 100 mil estudantes na USP; 15 mil funcionários efetivos; cerca de 9 mil trabalhadores terceirizados e 5 mil professores (divididos em categorias, sendo a “nata privilegiada” os titulares”). Todos estes, em tese, estariam sujeitos as “decisões” tomadas pela estrutura de poder, que os representaria “com justiça”.

No entanto, na realidade quase feudal da USP, não é bem assim. Por aqui, ainda não tivemos uma “Revolução Francesa” e quem determina não é a maioria, mas sim os grandes empresários e empresas privadas, pela via da Reitoria e do C.O..

No órgão máximo de representação - o C.O.- 80% dos membros são professores titulares; 11% são estudantes e 3% são funcionários efetivos. Aos terceirizados, esta massa de trabalhadores, em sua maioria negra e da periferia, que garantem o funcionamento e limpeza e estão sujeitos a todas as decisões da USP e aos calotes freqüentes das empresas terceirizadas não cabe nenhum representante (!!!). Uma verdadeira “pirâmide de poder”, com a minoria de faraós no topo!

Por outro lado, instituições privadas de magnatas, como a FIESP (Federação das Industrias de SP), que apoiou financeira e ideologicamente a Ditadura Militar Brasileira, possuem representação e poder de voto no C.O..

A relação entre os interesses das grandes empresas e nossa instituição “pública” é escabrosa.
Na USP, 1/3 do conselho universitário - ou seja, dezenas de professores- é dono ou participante de Fundações privilegiadas na USP, como a FIA, Dersa; empresas terceirizadas como EVIK e a do “Bandejão” da Química são de professores e burocratas empregados pela USP e/ou participantes do C.O.; o atual prefeito do campus é José Sidnei Colombo Martini, ex-diretor da ALSTOM, envolvido no escândalo de propina bilionária, envolvendo o PSDB e empresas- como a ALSTOM- prestadoras de serviços ao metrô de SP; o próprio Rodas é ex-presidente do CADE, o órgão que deveria coibir tais casos de corrupção, propinas e formação de cartéis... Uma verdadeira “farra de amigos” do PSDB.

Do ponto de vista das “prioridades” da estrutura de poder, não são poucos os escândalos como o tapete de 30 mil reais “comprado” em 2011, os pianos (guardados hoje, numa sala da reitoria ocupada) de 30 mil dólares cada, os projetos facilitados para fundações como FIA, os cursos pagos como os da FEA, etc, tudo isto enquanto muitos cursos (como na FFLCH) vegetam em situações de salas lotadas, falta de professores, reformas intermináveis na estrutura ou, como a EACH, estão contaminados com gases tóxicos e inflamáveis(!!).

Como tudo, é necessária uma “legitimação jurídica” para esta estrutura, e esta encontra corpo no regimento de 1972 da USP, implementado por Gama e Silva, ex-reitor e redator do AI-5 da Ditadura, que, mesmo após a reformulação parcial do Estatuto da USP, em 88, ainda estabelece, dentre outras coisas, punições por atentado a “moral e os bons costumes”, restrição a greves, a composição feudal do C.O., etc...

Visto isto, podemos entender a “gana” repressora da reitoria que, além das expulsões e processos que lançou contra estudantes, segue a campanha contra o SINTUSP, sendo que neste dia 1º entregou processo que ameaça 7 companheiros da diretoria por lutar em defesa dos terceirizados.

Fica evidente, desta forma, que a estrutura de poder da USP foi criada para garantir um projeto de universidade que sirva aos interesses de uma minoria de burocratas do governo e grandes empresas, contra a maioria do povo pobre e trabalhador que a financiam e contra a maioria da comunidade universitária.

O que é Governo tripartite ou Governo dos três setores?

Um “governo tripartite” ou “governo dos três setores”, é uma forma de governo para a Universidade, na qual, os trabalhadores, professores e estudantes, a partir de representantes eleitos, são quem exercem a sua direção e de seus órgãos, como as unidades de ensino e trabalho, etc.

Neste modelo, da forma como é proposta por diversos grupos, pressupõe-se o fim de órgãos criados para a intervenção direta do governo do estado, como a Reitoria, sendo que seriam os três setores os efetivos “gestores” da Universidade.

Os modelos de como isto se daria podem variar bastante, no entanto, acreditamos que pode ajudar se estabelecemos uma idéia concreta:
Ao invés de “congregações” de unidades (como da FFLCH, FAU, FEUSP), cujos membros se distribuem em proporções tão absurdas como no C.O., com a maioria de professores, seria possível pensarmos em formar um “conselho”, composto por representantes dos três setores, inclusive terceirizados, eleitos por voto universal (como nas eleições nacionais, ou seja um voto por pessoa).
Este “conselho” poderia exercer a gestão, sendo composto por representantes eleitos de forma muito mais democrática, no lugar de figuras como “diretores”, os quais, efetivamente, são quem intervém e impõe as decisões em todas as unidades e cursos, hoje.

Deste sistema, que poderia se desenvolver por toda universidade, poderíamos pensar, num plano superior, na formação de um “Conselho Geral” da Universidade, composto por membros dos três setores, inclusive terceirizados, eleitos em cada unidade de ensino e trabalho (tornando assim todas as unidades representadas), o qual, dirigiria a Universidade, suas decisões e prioridades de maneira muito mais democrática do que o REItor (uma espécie de “moderador” absoluto) e seu C.O. de maioria de professores titulares, os “iluminados” da USP.

Deste modo, a proposta de um Governo Tripartite não significa “aumentar” a proporção e participação dos 3 setores nos atuais órgãos colegiados (como congregações), o que é algo que seria possível mantendo o cargo de Reitor e suas ramificações (superintendências, coordenadorias, em suma, o Reitorado).

Pelo contrário, tal proposta contradiz a de “diretas para Reitor”, pois o “governo tripartite” é um modelo de Governo que visa substituir, sendo uma forma muito mais democrática, o Cargo de reitor e suas ramificações (criados para intervir a serviço dos grandes magnatas e empresas), colocando suas atribuições nas mãos dos 3 setores, através de seus representantes eleitos democraticamente.
Para se chegar a tal proposta, no entanto, seria necessária uma reformulação completa do estatuto da USP e, daí, a ligação entre umaestatuinte e o governo tripartite.

O que é e porque uma Estatuinte livre, soberana e democrática?

É da estrutura de poder, criada para ser uma ferramenta antidemocrática que possa garantir um projeto elitista e de segregação, que emana os principais problemas da Universidade.

Uma Estatuinte (por analogia a “constituinte”) é o processo de elaboração do estatuto da Universidade, no qual se definirão os princípios, prioridades e objetivos desta. Igualmente, se determinará a organização e distribuição administrativa para as unidades de ensino e trabalho, a forma de governo, se haverá reitoria ou governo tripartite, etc.
Em suma, é o momento no qual se deve refletir todas as propostas e problemas da universidade a fim de colocar de pé uma nova estrutura de poder.

É um processo político que revirará a Universidade e colocará em debate quais são seus objetivos frente a sociedade e é justamente por isto que devemos refletir como e quem fará esta Estatuinte.

O conteúdo de “livre e soberana” deve significar, a nosso ver, que uma Estatuinte na USP não pode ser construída por esta estrutura de poder e muito menos por Rodas, mas apenas contra eles.

Sendo a maior universidade do Brasil e estando atrelada aos interesses dos burocratas e empresários, apenas uma estatuinte organizada pelos 3 setores (inclusive terceirizados), através de seus órgãos de representação (centros acadêmicos, associações, sindicatos) e com voto universal para que todos possam se representar em igualdade, é que pode ser “livre, soberana e democrática”, o que significa não parar nas margens do poder econômico que busca dominar a USP.

Desta forma, poderemos dar passos para criar uma USP na qual, ao invés das pesquisas milionárias destinadas à Nike, Avon, Odebrecth, Dersa, teremos não apenas salas, professores, moradias, mas o questionamento do filtro do vestibular que fecha a USP aos negros e trabalhadores, projetos de moradia e urbanização para o povo pobre, médicos com outro tipo de formação, planos de medicamentos baratos para suprir as necessidades população, pesquisas de doenças simples, mas fatais entre os mais pobres (como diarréia infantil), o término da terceirização e incorporação de todos os trabalhadores terceirizados como funcionários efetivos e com direitos iguais, organização de ensino sobre a história da áfrica, dos índios, para o ensino médio, etc.

Tudo isto e muito mais é possível pensarmos se dermos um primeiro passo.
Uma estatuinte deve ser a bandeira que unifica nossa luta, pela transformação e democratização da USP e precisamos levar esta bandeira para além de seus muros mostrando a cada jovem, trabalhador e estudante que a queremos para transformar a USP e colocá-la, enfim, a serviço da maioria da população!

Levantar esta bandeira mostrará ao conjunto do povo e da juventude, aos professores em greve, aos operários em levante, aos oprimidos nas periferias que nossa luta é uma só e, como em junho, iremos por mais!

1 comentários:

Interessante... Muito interessante.
Milhares de estudantes estão em greve? Acho que não. Vocês (os defensores supremos da ética e dos pobres) só conseguem parar a Universidade porque promovem "piquetes" com vistas a oprimir os alunos que querem ir às aulas.
O seu texto resume bem o que se tornou o pensamento das esquerdas na USP: grupelhos anarquistas que lançam mão do vandalismo para impor suas ideias "revolucionárias".
Vocês falam muito em democracia, mas a verdade é que enquanto não verem alguém do partideco comunista no comando da Reitoria não vão parar de dar chilique, xingar os policiais militares (que recebem um salário miserável, veem seus companheiros morrerem diariamente nas ruas e ainda têm que aturar os "libertadores do proletariado") e proibir os VERDADEIROS ESTUDANTES da USP de ter aulas.
Concordo que a USP esteja cheia de problemas que precisam ser resolvidos. Também concordo que o governo Alckmin tem sido péssimo (e que há muitos policiais militares que não fazem um bom trabalho). Mas os "magnatas do PSDB", assim como os barões do PT (todos farinha do mesmo saco) têm sido eleitos democraticamente pelo povo. Traduzindo: a maioria dos paulistas quer o PSDB no comando, goste você do partido ou não, concorde você com suas políticas ou não. Se nas próximas eleições isso mudar, aí já é outra história...
Você fala como se Alckmin fosse uma espécie de tirano a quem você, o "herói do povo", está incumbido de tirar do poder, sejá lá qual for o método utilizado.
Que fique bem claro: precisamos, sim, promover inúmeras mudanças na USP. Mas deixar isso nas mãos de jovens anarquistas, opressores e violentos que ameaçam a verdadeira democracia é um péssimo começo.
Por fim, recomendo a leitura de "A revolução dos bixos", de George Orwell. É um belo exemplo de como as pessoas utilizam as palavras "igualdade" e "justiça" para impor governos tão arbitrários quanto aqueles que dizem combater.

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