Por André Augusto, da Juventude
às Ruas Campinas
O movimento estudantil das
estaduais paulistas, que não havia desenvolvido suas potencialidades combativas
de maneira organizada durante as jornadas de junho, aparece novamente com
protagonismo na cena nacional, que ora envolve um despertar de greves operárias
mais duras no país, como a dos trabalhadores dos Correios, bancários e a luta
dos professores municipais do RJ. Os efeitos politizadores de junho dentro do
ME nacional (que tem seu exemplo avançado na confluência dos estudantes
cariocas com a histórica greve dos docentes do RJ) surgem num momento de
particular endurecimento das medidas do reitorado paulista para evitar que a
demanda das ruas por educação pública gratuita e de qualidade atinja o batente
das instituições universitárias de elite. O recuo do Conselho Universitário da
USP em aprovar o regime já limitado de eleições diretas para Reitor prontificou
a ocupação da reitoria da universidade e a resolução de greve geral. Na
Unicamp, em meio aos escândalos de violência bestiais da polícia militar
nacionalmente – a repressão e morte de professores, tentativa de dissolução de
piquetes grevistas e a aberração da tortura por choques elétricos seguida de
morte do ajudante de pedreiro Amarildo – a reitoria de Tadeu decide se
aproveitar de maneira oportunista da morte de um estudante para colocar a PM
dentro do campus. O ME da Unicamp respondeu contundentemente votando indicativo
de greve geral e ocupando a reitoria pela expulsão da PM.
O fim de todo um ciclo de uma
década petista, de passividade e conformismo, permite enxergar problemas mais
agudos em todos os aspectos da vida do país, inclusive os que se escondem nas
luxuosas adegas e nas contas estratosféricas dos altos funcionários das
universidades: se a pauta do “Fora PM” (das universidades, morros e favelas) é
absolutamente legítima, não é também necessário questionar quem foi o
responsável por sua entrada na universidade? Qual corpo de funcionários dentro
da universidade contribuiu decisivamente para adotar a oferta policial de
Geraldo Alckmin depois do falecimento de Denis? Que tipo de estrutura de poder
universitária, que tipo de regimento estatutário, precisa se proteger da
politização de junho e da democratização radical do acesso à universidade
pública com os fuzis dos torturadores de nossos Amarildos?
É impossível democratizar a universidade sob a bota estatutária da
ditadura militar
A entrada da PM no campus da
Unicamp é uma medida de autopreservação de um regime que se defronta a uma
situação distinta. Questionar a entrada da PM significa também questionar o
projeto de universidade que precisa dela. A universidade que jubila segundo
critérios produtivistas, que nega bolsas de estudo para todos os que
necessitam, que veda a construção de mais vagas na moradia estudantil e a
criação de cursos noturnos, que enxuga o quadro de professores e funcionários
técnico-administrativos, substituindo-os por funcionários terceirizados por
empresas fraudulentas (responsáveis por equívocos absurdos de engenharia no
teatro das Artes), que torna ainda mais excludente o filtro social que deixa de
fora da universidade a maioria esmagadora dos jovens desse país ao cortá-lo das
regiões nordeste e sul, e que criminaliza os movimentos operário e estudantil
(como na ocupação da administração da Moradia em 2011) com sindicâncias e a PM
em suas dependências; esta universidade tem sua outra cara: a da burocracia
acadêmica que, através do Conselho Universitário e da Reitoria, recebe salários
astronômicos (denunciados como ilegais pelo Tribunal de Contas da União;
Fernando Costa e Tadeu Jorge receberam juntos, em 2012, quase 800 mil reais);
que possui luxuosos prédios para reunião com agentes da FIESP e de grandes empresas
e bancos, como a Samsung e o Santander (que mata operários em suas obras de
Barão Geraldo); que compra terrenos milionários em acordo com latifundiários e
monopólios estrangeiros. Um corpo de funcionários de elite, totalmente afastado
da vida comum da população da cidade e de sua juventude precária e sem acesso à
educação.
Esta faceta da universidade
pública, aquela dos que se utilizam do dinheiro público do ICMS para benefício
próprio e que impedem com seu estatuto que a universidade pública sirva aos
interesses da população pobre, está concentrada nas altas cúpulas do Conselho
Universitário: esta gangrena congrega donos de empresas terceirizadas,
presidentes de fundações privadas (que se valem dos recursos públicos das
universidades), membros dos partidos políticos da ordem questionada nas ruas em
junho, como PSDB e PT: um concílio que exemplifica o controle exercido pelo
capital privado sobre a educação pública no país, e que melhor representa as relações
das instituições de ensino superior com a “sociedade” empresarial desde os
acordos de MEC-USAID estabelecidos na ditadura militar, em 1968, entre os
Ministérios da Educação dos genocidas brasileiros e dos EUA. Trata-se de uma
casta burocrática totalmente independente do controle da população que financia
seus luxos, responsável por colocar todo o conhecimento produzido na
universidade a serviço das grandes empresas contra a população.
São estes privilégios que o
Conselho Universitário e a Reitoria, com a ajuda da polícia militar, buscam
proteger da nova situação nacional emergida em junho. É vital que os que
lutamos por uma universidade pública, gratuita e de qualidade, que reserve toda
a produção de conhecimento às necessidades mais candentes da população, não
restrinjamos nossa luta contra a entrada da PM, mas também à casta privilegiada
responsável por vedar o acesso da juventude ao ensino superior público.
Pelo que passa o processo de democratização da universidade?
É impossível democratizar o
regime e o acesso à universidade sob a bota estatutária da ditadura militar: o
elo de ligação programático mais importante entre as mobilizações atuais na USP
e na Unicamp é o de democratizar a universidade questionando todo o estatuto
deste regime universitário, herdeiro da ditadura genocida. Todas as reformas e
propostas alternativas, inclusive na vivência, estão subordinadas à eliminação
deste dispositivo. Esse estatuto é pedra angular que garante os direitos
“divinos” do reitorado e seus conselheiros, e que possibilitou a utilização de
parágrafos criados nos anos de chumbo da ditadura para facilitar a repressão ao
movimento estudantil, a ilegalidade da perseguição judicial de trabalhadores
grevistas, e a entrada da PM no campus.
Os debates sobre a estatuinte, o “como”
e o “com quem” se fará, enriquecem desde já o movimento de ocupação da Reitoria
da Unicamp, as greves e paralisações nos institutos. Há setores na ocupação que
defendem apenas o rechaço ao estatuto da ditadura; mas isto redundaria na
reforma institucional do mesmo regimento excludente e elitista, vinculado ao
mesmo projeto de universidade “das adegas”. Há ainda outros setores que
reivindicam uma estatuinte “em debate comum e com a participação da Reitoria”,
deixando de problematizar toda a estrutura de poder fundada nas figuras
despóticas do Reitor (Tadeu) e do Conselho Universitário, estrutura que
permaneceria de pé e fugiria como da peste de qualquer democratização real da
universidade, que passa pela dissolução irrestrita destes dois órgãos
burocráticos.
Uma assembleia estatuinte, "livre
e soberana", que parta da dissolução destas aberrações na universidade (em diálogo com esta idéia de um companheiro da USP, "O conteúdo de 'livre e soberana' deve significar, a nosso ver, que uma Estatuinte na USP não pode ser construída por esta estrutura de poder e muito menos por Rodas, mas apenas contra eles", http://juventudeasruas.blogspot.com.br/2013/10/greve-usp-o-que-e-estatuinte-e-governo.html) pode
garantir que os três setores da universidade, professores funcionários e
estudantes, com voto universal proporcional ao número de cada setor,
possibilitaria conquistar medidas internas imediatas para incrementar a
vivência (mais iluminação e poda de arbustos, criação de cursos noturnos para
manter viva a universidade em todos os horários, circulares gratuitos para a
Unicamp nos finais de semana a toda a população), o controle de todos os
setores sobre as grades curriculares e a razão social de tudo o que é produzido
dentro da universidade, e a aplicação dos recursos públicos para a garantia do
acesso radicalizado ao ensino superior (isto é, o fim do vestibular e a estatização das universidades privadas), nas medidas mais essenciais para abrir
os portões e as salas de aula da universidade pública a toda a população.
A universidade pública começa a ter seu projeto questionado pela nova
situação nacional
Fortalecer os laços da unificação
das estaduais paulistas nesta onda de mobilizações do movimento estudantil está
a serviço desta batalha por um outro projeto de universidade. Paralelamente ao
desenvolvimento de fortes greves de trabalhadores da educação pública, no Rio
de Janeiro e em Goiás, a conjuntura que coloca os problemas da universidade
como um dos eixos da política nacional (que castigou nas ruas os Donadons e toda
a constelação de altos funcionários corruptos do Estado) pode fustigar também o
alto escalão da educação pública dentro dos atuais Conselhos Universitários.
Sua dissolução e substituição por um Conselho composto por professores,
funcionários e estudantes, eleitos com mandato e revogáveis por assembleias
universitárias, apresenta uma ampla via para a constituição de um novo projeto
de universidade que garanta o básico (como medidas de vivência, estrutura) e o
acesso radicalmente democrático (a todos os que queiram) que as Reitorias
atuais se negam e não podem cumprir.
Estes debates programáticos, que avançam nas estaduais
paulistas em meio à caldeira da luta de classes, são importantes experiências
acumuladas para todo o movimento estudantil nacional, e que se combinam com as heroicas
experiências de luta das universidades federais no último período. É possível
conquistar a retirada da PM do campus e a imposição de que não se assine nenhum
convênio com a polícia; assim como é possível extinguir, numa luta massiva e
unificada do ensino público, todas estas bases arcaicas (estatutos e
reitorados) que separam a população das salas de aula da universidade.
Apostamos nesta perspectiva, como a melhor via de barrar a influência
enganadora da grande imprensa e da reitoria (desejosos de manter seus
privilégios) e congregar a maioria da classe trabalhadora e da população pobre
da cidade e do campo a esta luta dos estudantes.
Basta de privilégios com o dinheiro público: é hora de massificar a
luta e abrir os portões e salas de aula da universidade pública a toda a
população!
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