sábado, 24 de novembro de 2012

Medo e a Legitimação da Polícia Militar: Por que a polícia não vai garantir segurança?

Do assassinato de Felipe Ramos Paiva à operação “Saturação” da PM

Desde o assassinato do estudante Felipe Ramos Paiva, da FEA, em 18 de maio de 2011, abriu-se uma importante discussão sobre a segurança das pessoas que circulam na USP; mais do que isso, uma polêmica sobre a polícia militar dentro e fora do campus.

A USP é uma universidade de elite, socialmente falando, já que é majoritariamente de classe média e média-alta; isso não é à toa. São pouquíssimas pessoas que conseguem passar pelo vestibular (em 2012, dos 146.885 inscritos, foram aprovados 10.952, ou seja, cerca de 0,07%1), que funciona como um “filtro social”. Em geral, aqueles que têm sucesso tiveram oportunidade de estudar em boas escolas ou, pelo menos, dedicar-se integralmente a um cursinho particular, o que exige dinheiro.

Além disso, trata-se de um campus geograficamente grande, isolado, mal iluminado e, durante à noite, há redução do número de pessoas circulantes em razão de a entrada ser controlada nos portões de acesso, e o reduzido número de cursos noturnos. Em outras palavras, é um local inseguro em si.

Se somarmos isso à onda de violência (em sua maioria de origem policial) pela qual passa São Paulo desde junho deste ano, teremos então a justificativa para o clima de insegurança generalizada, mais nitidamente vivida por alunos que moram perto do P3 e que vão a pé para suas casas; por exemplo, há vários relatos recentes de tentativas de roubo, o que tem assustado e gerado debates.

Diante dessa situação, mais uma vez, abre-se uma polêmica sobre a necessidade de maior presença ostensiva da polícia militar dentro e fora da USP. O objetivo deste texto é abrir um debate sobre o papel da polícia aqui na Usp, e fora também...aliás, principalmente fora.

O que é a polícia?

Tanto a Polícia Civil quanto a Militar são subordinadas ao Governo do Estado e, consequentemente, em última instância, ao Governador. Não por outro motivo, o comando da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a denominada “tropa de elite” da polícia militar paulista), por exemplo, é determinado pela Secretaria de Segurança do Estado.

Aliás, esse mesmo comando foi substituído recentemente, em 26/09/123, quando assumiu o tenente-coronel Nivaldo César Restivo no lugar de Salvador Maia. Ambos são réus do processo do Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, resultando na cruel e covarde morte de 111 detentos, sem chance de se defender. Antes deles, estava Telhada (sabe? O 5º vereador mais votado de São Paulo...), o “matador de bandidos” dos anos 80.

A ROTA vem protagonizando as estatísticas de assassinatos (65 só até agosto deste ano, só por esse batalhão; se considerar toda a PM, no primeiro semestre, são 2294) envolvendo a polícia militar e, por isso, registrados como “resistência seguida de morte” (e não como homicídios, que é o que de fato são).

Mas não é dessa forma que o Jornal Nacional, a Record, SBT e a televisão em geral – principal meio de informação ao qual temos acesso rotineiro –  falam sobre a Polícia Miliar. Atualmente vemos uma investida agressiva da “grande mídia” em favor da polícia, levantando um discurso de que “bandido bom é bandido morto”. Não à toa a novela das oito (Salve Jorge) tem, como “mocinho”, um militar de UPP (Unidade de Polícia Pacificadora, que ocupa o morro para reprimir e assassinar a juventude pobre e negra), o que rende um outro texto inteiro.

O que a mídia fala pouco é que, em cinco anos, a Polícia Militar do Estado de São Paulo matou 6% mais do que TODAS as polícias dos Estados Unidos juntas (considere que a população norte-americana é quase oito vezes maior do que a de São Paulo)5
Também divulgou pouco que, em um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, países recomendaram a abolição da PM no Brasil, dentre outras medidas 6, sem falar sobre o relatório da Anistia Internacional (vide referências para mais informações)7.

Um papel político

Pensar em tudo isso pode nos levar a duas conclusões incorretas:
1)      Se os (vários) grupos de extermínio ilegais forem eliminados, será uma polícia que garanta a ordem e a segurança;
2)      Se a polícia não for militar (e, portanto, sujeita a trâmites legais exclusivos), poderá ser julgada por seus crimes de forma justa e, portanto, garantir a ordem.

Em ambas essas proposições, é ignorado o papel POLÍTICO da polícia, ou seja, que ela estará sujeita, em sua atuação, aos interesses do Poder Executivo, o Governador (no caso da polícia Federal, à Presidente); em outras palavras, a polícia é necessária para que se mantenha a ORDEM, esta ordem, injusta como é. A ordem das classes dominantes. O capitalismo é um sistema de injustiças, exploração e opressão, e necessita disso para sobreviver e seguir se reproduzindo. Para garantir sua sobrevivência, esse sistema necessita de um aparato repressor que corte pela raiz cada início de manifestação que possa ameaçar abalar sua estrutura. E o papel político da polícia é exatamente este! Garantir que o sistema de privilégios da minoria – o capitalismo – continua a se reproduzir.

Nesse sentido é que não se pode defender ou reivindicar a polícia que garante um sistema injusto e assassino, sob a falsa ideia de segurança. Não se pode reivindicar uma polícia que ocupa morros em razão dos interesses políticos e econômicos em torno da Copa ou das Olimpíadas; que reprime movimentos sociais e greves; que mata principalmente pobres.

É importante deixar claro que não se trata de uma questão pessoal contra o policial militar; independentemente de como ele pense, ele assumiu esse papel, e o que ele faz determina quem ele é, ou seja, materialmente o que ele faz garante que assassinatos e injustiças sigam impunemente.

Dentro da Universidade, o papel que a polícia cumpre não é tão diferente. Em uma Universidade de elite como a USP, que tem seu projeto totalmente voltado para os interesses de uma minoria ligada a grandes empresários, latifundiários, e aos interesses do capital, a polícia entra para impedir que estudantes e trabalhadores questionem e se levantem contra esse projeto, e lutem por outra universidade, aberta, com livre acesso, e produzindo a serviço da ampla maioria da população.

Imediatamente: O que fazer?

Resta, então, pensar sobre o que fazer diante desse problema tão concreto (segurança).  Uma das críticas mais comuns à questão da polícia, indiretamente respaldando essa corporação, consiste exatamente no “ruim com ela, pior sem ela”.

Uma universidade mais segura é feita por pessoas: alunos, professores, trabalhadores, visitantes, livre circulação de pessoas, em suma, uma universidade mais viva, mais iluminada, com melhor sistema de transporte, com moradias internas mais espalhadas, ocupando espaços antes vazios ou escuros. Em outras palavras: Universidade aberta.  

Uma guarda universitária contratada também não responde ao problema, pois a guarda universitária cumpre dentro da Universidade com os estudantes o mesmo papel que a polícia cumpre nas periferias e favelas com seus moradores: vigiar e reprimir. A guarda universitária é subordinada à reitoria, que é quem persegue e pune os estudantes que se colocam contra o atual projeto de Universidade e lutam justamente por uma universidade aberta!

A resposta aos casos de assaltos e estupros é a auto-organização dos estudantes e trabalhadores! Um exemplo interessante disso é o da UNICAMP: em resposta a uma série de estupros no ano passado, os alunos organizaram um transporte próprio, especialmente para as mulheres, que as levava embora das festas que havia dentro do campus. Festas, aliás, que são também uma maneira de vivência e de garantir uma Universidade viva, aberta, com livre circulação.

Nascemos e crescemos com respostas prontas, com soluções montadas que nos são apresentadas maduras. Isso é mais fácil, mas em geral ilusório também. A questão da segurança não tem uma solução instantânea, não se trata de “Yes PM or Not PM dentro da USP”, PORQUE É FORA DAQUI QUE O PIOR ACONTECE, nós sequer ficamos sabendo. Ou você sabe da ocupação da PM na comunidade São Remo (favela ao lado da USP São Paulo, onde moram vários trabalhadores efetivos e terceirizados da universidade)? Sabe dos assassinatos, das injustiças? Sabe que há cerca de duas semana, a PM de São Paulo tem assassinado cerca de 10 pessoas por dia, o que a mídia chama de “guerra não declarada entre a PM e o PCC”. O real nome disso é “genocídio da população negra das periferias”! E é por isso que a luta travada na USP ano passado não apenas reivindicava o a PM fora da USP, mas dos morros, favelas e periferias também.

A solução para a questão da segurança na universidade não é instantânea, pois se trata, sim, de entender porque razão não se pode defender a força material que garante injustiças e genocídios de populações inteiras. Essa solução só se dará a partir do questionamento e luta contra o atual projeto de universidade de elite, baseado no vestibular como filtro social, ligando-se àqueles que estão fora da Universidade, que são também os que mais sofrem a violência policial.

Por uma universidade aberta e a serviço da população!

Pelo fim do vestibular e estatização das universidades privadas!



Referências.










9. Revista da ADUSP, Outubro de 2012, p. 71 a 79, disponível em http://adusp.org.br/files/revistas/53/mat10.pdf




13. http://www.brasildefato.com.br/node/11164, acesso em 18/11/2012.


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