terça-feira, 8 de novembro de 2011

Hobbes nos Trópicos

Por Bernardo Andrade


Como parte da campanha reacionária da mídia burguesa de atacar a luta pelo FORA PM dos estudantes da USP o jornal Folha de São Paulo do dia 2 de novembro apresentou um texto, assinado por Hélio Schwartsman, intitulado “Polícia e civilização”. A premissa fundamental da qual parte o autor é que “estamos diante de um movimento profundamente reacionário”, pois, ainda segundo o autor, “uma das melhores coisas que aconteceram à humanidade foi a criação da polícia”. Apesar de parecer uma mera alucinação ou apenas o mau gosto de mais um intelectual de roupão, na verdade o jornalista graduado em filosofia na Universidade de São Paulo (USP) retoma um conjunto de idéias formuladas por Thomas Hobbes em meados do século 17.
Não termos aqui a intenção de discutir a filosofia de Hobbes de conjunto, nem buscar contrapor a esta qualquer sistema filosófico. Buscamos antes mostrar como os meios de comunicação representantes da classe burguesa e os intelectuais que à mesma servem buscam, a partir de alguns conceitos desenvolvidos por Hobbes há quase 4 séculos, ainda hoje distorcer o real significado de instituições altamente reacionárias - como a polícia - com o objetivo claro de conservar uma ordem de coisas instituídas por via da exploração e da opressão, assentadas sobre exércitos e polícias. Por outro lado concluímos que somente uma dura luta diretamente contra essas instituições e contra a polícia pode abrir caminho para uma sociedade sem a exploração. Portanto o exemplo que vem da USP deve ser apoiado e seguido.

BREVE CONCEITUALIZAÇÃO SOBRE T. HOBBES

Nesse momento essas idéias buscavam justificar a monarquia nos Estados Nacionais recém unificados, como única via de supostamente acabar com a violência. Hobbes afirmava que o homem em seu estado de natureza agia como o lobo do próprio homem, ou seja, afastado de instituições constituídas por uma autoridade competente o ser humano só poderia se aproxima da barbárie. Para isso combinava o que chamava de natureza humana e o que chamava de razão em um único sentido. Dizia, portanto, que a natureza humana era a barbárie e que, por isso, a razão era, estritamente, a necessidade de concentrar poder e estabelecer pactos capazes de trazerem uma desigualdade entre o indivíduo e a autoridade, essência da paz. Ou seja, para Hobbes a natureza não poderia trazer a paz aos seres humanos diretamente, pela natureza humana igualmente bárbara em todos o seres, portanto igualmente lesiva, senão que justamente o contrário, a natureza imperava a paz hipoteticamente, ou seja, através da instituição de uma diferença pactuada entre os seres humanos, uma autoridade mais capaz que todos por ser a única capaz de corresponder a algo diferente da natureza humana. A isso chamou de razão e a isso condicionou a ação política. Em suma, todas as ações humanas civilizadas apontariam irremediavelmente à instauração de uma autoridade em função da perpetuação da própria autoridade, ou seja, para Hobbes se há violência e barbárie é porque não há autoridade ou há autoridade insuficiente.

A APROPRIAÇÃO TROPICAL

Schwartsman parte da análise do mesmo período sobre o qual se debruçou Hobbes ao citar a Europa do século 16 – apesar de usar o roupão para tentar esconder Hobbes, pois cita Steven Pinker sem dizer que este reproduz o primeiro.

E tosse a seguir a definição de que a centralização do Estado (autoridade) levou à redução da “taxa de homicídios”. Será bem sucedida essa tentativa de se basear em Hobbes para explicar o passado? Na verdade ela esconde que o fortalecimento dos Estados Nacionais na Europa do século 16 só existiu em função da completa eliminação, neutralização, opressão e exploração de distintas etnias, populações ou classes com interesses divergentes aos da monarquia e da burguesia em sua fase de acumulação primitiva de capital. Ou seja, a imagem de que o fortalecimento do Estado no século 16 significou uma diminuição da violência se mostra uma falsificação ideológica, pois se refere somente à diminuição da violência atribuída à resistência das classes e populações oprimidas. Essa diminuição se deu em função da coerção violenta do Estado para garantir os interesses das classes dominantes. Concretamente essa violência do Estado foi a escravidão do povo negro, os massacres dos povos indígenas de toda a América e do oriente, os massacres camponeses e todo o resto das medidas provenientes dos Estados Nacionais e das forças policiais que aos mesmos Estados serviam. Ou seja, a violência não diminuiu, ao contrário aumentou pelas mãos do Estado. Até Schwartsman sabe disso quando escreve “que, vencida essa fase, o principal perpetrador de violência deixou de ser a rivalidade entre clãs e bandos rivais para tornar-se o próprio Estado, que não raro se punha a perseguir, a torturar e a executar cidadãos por motivos às vezes tão banais como abraçar uma religião minoritária, fazer oposição política ou apenas ser diferente”, porém, não por confusão, o mesmo finge que os motivos que faziam o Estado “perseguir, a torturar e a executar cidadãos” eram banais, ou seja, desinteressados.

Na verdade, desde 1500 até hoje o que vimos foi o Estado perseguir, torturar e executar muito interessado sim, por um motivo nada banal, defender a classe dominante. Do contrário como poderia um explicar todas as ditaduras militares na América Latina, o Fascismo e o Nazismo? A polícia mata milhares de jovens e trabalhadores na periferia e nas favelas todos os anos, armados de treinamento de guerra, adquirido pelas tropas brasileiras ensinadas a oprimir e reprimir o povo haitiano, implementam as UPP`S que reprimem cotidianamente a juventude e os trabalhadores nos morros do Rio, proibindo qualquer tipo de organização cultural e política, há denuncias de tortura e por todo o país massacram a população negra e pobre, além de reprimirem greves e manifestações violentamente. Os únicos que poderiam achar isso uma das melhores coisas que já foram inventadas são os que literalmente lucram com tudo isso, ou seja, os capitalistas e seus governos. Portanto diferentemente do que afirmava Hobbes quando se referia à espada do soberano (forças armadas para repressão) e do que toscamente reproduz Schwartsman, o controle e a violência do Estado e da polícia tem como único sentido salvaguardar uma sociedade baseada na exploração e opressão. A paz da classe no poder, não de todos.

UNIVERSIDADE: A CANETA OU A IDEOLOGIA A SERVIÇO DA CLASSE DOMINANTE

Outro desdobramento da mesma apropriação ideológica podemos ver na função social que adquirem as universidades na sociedade em que vivemos. Assim como Hobbes dizia que a razão era ela mesma a instauração de autoridade e considerando o que nós acima mostramos - que a paz por via da violência do Estado e da polícia serve somente à classe dominante - atualmente a burguesia, através dos seus ideólogos, busca uma universidade ela mesma instauradora de autoridade, a serviço de seus interesses de classe, da exploração e da opressão, ou seja, uma universidade burguesa.

Começa com o vestibular, que aparece como um filtro de classe, ou seja, existe para tirar da imensa maioria dos jovens trabalhadores, negros e pobres o direito de acesso gratuito ao ensino superior público. Além disso a precarização do trabalho é imensa, com milhares de trabalhadores terceirizados em condição de escravidão, obrigados a comer em banheiros, sem condições de segurança e higiene, sem ter permissão sequer de falar com outros trabalhadores efetivos ou com estudantes e com salários baixíssimos. Por conseguinte, também o conhecimento produzido cada vez mais serve aos interesses de empresas capitalistas e do governo. Nas ciências biológicas e exatas, botox, cosméticos, motores e uma série de produtos pesquisados com dinheiro público e cujo lucro se apropriam empresas privadas. Nas humanas estão os “intelectuais” que, assim como Schwartsman, defendem ideologias que falsamente afirmam que os seres humanos estão dispostos a priori como inimigos diante uns dos outros.
Para concretizar esse projeto, polícia.

POLÍCIA É REPRESSÃO, NA SOCIEDADE DE CLASSES E NA UNIVERSIDADE DE CLASSES

O que tentam fazer esses intelectuais ao se apropriar de Hobbes é esconder que a divisão em distintas nações se deu, como mostramos acima, a partir do massacre de milhões em função das classes dominantes cujos interesses o Estado representa, que as guerras mataram milhões pela competição entre um punhado de capitalistas parasitas que buscam em outros povos escravos assalariados para usufruírem melhores oportunidades e aumentar seus lucros, a pobreza existe porque pouquíssimos se apropriam do produto do trabalho de bilhões de trabalhadores pelo mundo e o preconceito é a ideologia que esses mesmos burgueses propagam para garantir menos direitos a determinados setores da classe trabalhadora, para dividir e assim potencializar seus lucros. Ou seja, nunca foi a natureza humana que impeliu a violência senão que os interesses de uma classe, exploradora e opressora, portanto dominante, que impeliu a violência.

Principalmente, o que escondem esses ideólogos da burguesia é que em todas as guerras engendradas pelos capitalistas havia milhões de trabalhadores em todo o mundo que se colocavam contra o massacre de trabalhadores estrangeiros por seus próprios países, que contra a pobreza milhões lutaram e muitos ainda lutam contra a divisão da classe trabalhadora e contra a precarização do trabalho, lutam pela divisão das horas de trabalho por todos os trabalhadores disponíveis para que todos possam trabalhar e assim acabar com o desemprego, lutam contra o preconceito, contra a homofobia, contra o racismo, pelo direito ao aborto, pela dissolução da polícia racista que segue matando e torturando.

Ou seja, o que eles não dizem é que essas mazelas não são provenientes das necessidades do ser humano, senão que são contra as necessidades da maioria dos seres humanos. Eles escondem que vivemos uma guerra constante entre as classes e que se a exploração e a opressão continua existindo é porque o Estado burguês, assentado no exército e na polícia, constrange fisicamente e mata os que vão contra a exploração e a opressão. O que eles não dizem é que a causa da exploração e da opressão é a constituição de uma sociedade em função do lucro, que então a luta contra o fim da exploração e da opressão só pode vir na luta pela constituição de uma sociedade em função das necessidades humanas e não do lucro e que, portanto, os que podem constituir uma sociedade em função das necessidades humanas não são os que lucram, se apropriando do trabalho dos produtores, mas sim os próprios trabalhadores, que tudo produzem, e a juventude se organizando diretamente contra o Estado Burguês e a burguesia.

Por isso esses ideólogos da burguesia e os jornais burgueses a quem servem são contra a luta dos estudantes e trabalhadores da USP, por isso são a favor da polícia dentro da universidade. Pois, nessa luta de classes estão a favor da burguesia e da polícia, contra os trabalhadores e a juventude. Essas são as reais intenções que escondem junto do Leviatã no cofre de seus apartamentos em áreas nobres das cidades, envergonhados por erotizarem um ser humano asqueroso que, como vimos, é a imagem e semelhança da própria burguesia que vive em função de guerras, do preconceito, da exploração e da opressão para potencializarem seus lucros.

Ao contrário os estudantes devemos lutar pelo FORA PM, pois devemos construir uma aliança, entre estudantes e trabalhadores de dentro e fora de nossas universidades, que sirva aos interesses dos trabalhadores e do povo. Assim como os exemplos que vem dando o Sindicato de Trabalhadores da USP (SINTUSP) e as diversas lutas organizadas por estudantes combativos, as quais nós da Juventude Às Ruas lutamos incansavelmente para se levantaram contra esse caráter da universidade, na USP e fora dela, lutando pela dissolução do conselho universitário e por uma estrutura de poder com maioria estudantil, onde cada cabeça valha um voto junto de organizações populares, sindicatos, organizações de juventude, mulheres e negros, lutando pelo fim da precarização e incorporação sem necessidade de concurso público de todos os trabalhadores terceirizados, levantando a necessidade de se colocar lado a lado com os que estão fora da universidade e levantar a bandeira do fim do vestibular, estatização das universidades particulares para que todos tenham direito a estudar em universidades públicas e com qualidade, pelo fim das ocupações militares e da repressão aos trabalhadores e ao povo nas favelas e periferias, chamando a juventude pobre à ocupar a universidade como fez o festival HIP HOP ocupa USP, proibido pela burocracia acadêmica. Assim como hoje os estudantes na UNICAMP estamos em greve junto dos estudantes combativos em solidariedade ativa aos trabalhadores da mesma universidade, por entender que só nos aliando aos trabalhadores lutar conseqüentemente contra essas miseráveis condições de vida que nos impõe o capitalismo.

Esse é um projeto oposto pelo vértice aos interesses dos capitalistas e por isso o REItor da USP, João Grandino Rodas, e a burocracia acadêmica de muitas universidades pelo país firmam convênios com a polícia militar. Para garantir uma universidade mais elitista, a serviço dos lucros dos capitalistas, para aumentar a repressão, a perseguição, impedir a livre expressão e organização política. Exatamente como aconselhava Hobbes, “Suponho que os antigos bem o anteviram, quando preferiram ter a ciência da justiça envolta em fábulas, a deixá-la exposta a discussões: porque antes mesmo que tais questões fossem suscitadas os príncipes não pleiteavam, porém já exerciam o poder supremo. Conservavam a integridade de seus impérios não por meio de argumentos, mas punindo os maus e protegendo os bons.”[1]

E os intelectuais de roupão como Schwartsman não estão alucinando. Apesar do clima papaizinho - ao tratar os mesmos estudantes que a mídia costuma chamar de vândalos como garotada - Schwartsman clama por repressão policial, explícita ou através de engodos que desviem a luta pelo fora PM, como a proposta de “refoma” – manutenção - do convênio REItoria/PM na USP, a serviço do aprofundamento do caráter elitista da mesma universidade que o ensinou a escrever mentiras encomendadas por burgueses em troca de proteção e glória. Que vida amarga.

Ao contrário a juventude de todo o país, em todas universidades públicas e particulares, devemos tomar a luta pelo fora PM das universidades, mas também das favelas e periferias por entenderem essa como uma iniciativa fundamental que aponta uma luta contra o Estado burguês e suas forças repressivas. Tarefa fundamental no sentido de tomar a universidade a serviço dos trabalhadores e do povo.

FORA PM DO CAMPUS!
ABAIXO O CONVÊNIO REITORIA/PM!
TODO APOIO À OCUPAÇÃO!
FORA PM DAS UNIVERSIDADES, FAVELAS E PERIFERIAS!
[1] HOBBES, T. Do Cidadão. Trad. e notas.: R. J. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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