domingo, 6 de novembro de 2011

As universidades inovadoras a serviço do “Brasil potencia”

Escrito por Biro (IFCH) e Flávia (IE) da Unicamp militantes da Juventude Às Ruas


        A universidade, tal qual a gente conhece hoje no Brasil, é um resultado histórico dos interesses da classe dominante em manter-se apropriada do conhecimento e da técnica socialmente produzidos, para fim último de manter sua dominação de classe. Os objetivos fundamentais da universidade burguesa são, separar abruptamente o trabalho manual do trabalho intelectual, transformando os “centros de estudo e pesquisa” em “prisões do saber”; produzir novas técnicas para aperfeiçoar a produção e realização da mercadoria; aperfeiçoar os instrumentos de dominação de classe.

Esse processo tem em seu cerne a contradição de unir a inovação tecnológica com a precarização e semi-escravidão do trabalho, a fim de extrair mais-valia a todo o custo e manter a dinâmica nefasta da acumulação capitalista. Não à toa a inovação vem sendo usada como sinônimo de desenvolvimento pelo governo e pela academia, sendo a terceirização uma das mais importantes inovações das grandes transnacionais a partir dos anos 1980. Entretanto a aparente contradição no fato de que os “pólos de excelência”, como USP e UNICAMP que estão ambas entre as 100 e as 300 melhores universidades do mundo, respectivamente, serem também projetos que terceirizam e semi-escravizam a força de trabalho na limpeza, alimentação, segurança e construção, acaba por revelar, em verdade, não uma contradição, mas duas facetas de um mesmo projeto de universidade burguês que se combinam para ligar-se à “emergência” de um “Brasil potência”. Ou seja, incorporam-se não apenas como parte da maquina pensante deste projeto de país, mas também aplica sobre si mesma suas inovações, entregando-se de corpo e alma ao país da terceirização e do trabalho precarizado.

No capitalismo, entende-se quanto “desenvolvimento” o aprimoramento da técnica dos meios necessários para extração de mais valia da força de trabalho, atendendo a sua necessidade doentia de acumulação de capital. Na etapa do capitalismo imperialista em que vivemos, onde é supremo o capital monopolista, subjugando os demais, os interesses de acumulação do grande capital transnacional são prioridade. Desta maneira este busca na periferia - países semi-coloniais, colônias e dependentes - desenvolver também um novo nicho de valorização e de exploração da produção de mercadoria, apropriando-se do conhecimento das universidades e investindo nestas para mantê-las sob seus interesses - sendo o Brasil, neste processo, um exemplo emblemático, por meio da USP eUNICAMP.

Nesses países atrasados, tal como no Brasil, a universidade revela-se estruturalmente elitista e excludente, desenvolvida pela burguesia para atender os interesses do grande capital internacional e de uma burguesia nacional dependente. Para este fim as universidades brasileiras dedicam-se a produção de inovações e tecnologias e a formação de mão de obra barata e especializada. A subordinação das universidades, quanto centros de concentração e exclusão do conhecimento a serviço do capital, desdobra-se de maneiras distintas a depender dos interesses das frações burguesas que se projetam neste jogo, dando origem a projetos específicos de universidade burguesa para interesses específicos do capital.

O conceito de inovação (em resumo, tudo o que é novo ou significativamente aperfeiçoado para a empresa, um produto ou um processo produtivo, que se estende inclusive aos serviços) passa pela necessidade constante das empresas de valorização do capital em meio ao processo de concorrência cada vez mais intenso com o desenvolvimento do capital monopolista. Este processo dinâmico é endógeno e fundamental ao capitalismo, gerando uma mutação permanente das empresas e instituições, que culmina na concentração do capital e no aprofundamento das assimetrias entre as empresas. A inovação, que tem papel central nesse processo é, segundoSchumpeter, um economista burguês, o “impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista”, isso é “revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha e incessantemente criando uma nova – num fenômeno de ‘destruição criadora’.” Esta teorização burguesa, afogada na ideologia desta mesma classe, que hoje é amplamente difundida e reproduzida na academia com investimentos do governo (como, por exemplo, do BNDES), ilustra a necessidade intrínseca do capital de manter-se constantemente se apropriando da técnica e do conhecimento para renovar e aumentar sua capacidade de acumulação.

Nas universidades a “inovação” tem se tornado a “bola da vez” com inúmeros trabalhos acadêmicos que a legitimam e a difundem ideologicamente, um importante pilar para a reprodução do capital. Esta relação se dá via desenvolvimento de patentes nas universidades as quais são vendidas para empresas. Este atrelamento fornece um ultra-barateamento para o desenvolvimento tecnológico das multinacionais (P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, mais barato devido o aproveitamento e investimento em laboratórios de grandes universidades públicas e particulares) e transforma o potencial de produção de conhecimento especializado e de alto nível em grandes chamarizes para investimentos no país. Este negócio leva a um atrelamento intelectual da produção de conhecimento do ponto de vista das universidades públicas, subjugando as diversas linhas de pesquisa às necessidades do mercado: um desvio limpo de dinheiro público para a iniciativa privada.

A UNICAMP é a única universidade no país a oferecer disciplinas na pós-graduação no Instituto de Geociências (1) que tratam exclusivamente da temática da inovação tecnológico-científica. Seu Instituto de Economia é referência nessa área, cujo Núcleo de Estudos em Economia Industrial e Tecnologia – NEIT (2) teve inclusive um dos seus docentes, Prof. Laplane, indicado nesse ano para o cargo de diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicosdo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (3), cujo ministro, Mercadante (PT), defendeu mestrado no IE orientado pelo próprio Laplane.

Também a UNICAMP é um grande pólo de desenvolvimento de patentes que, por meio de sua agência de inovação (INOVA UNICAMP) e de sua incubadora de empresas de base tecnológica (InCAMP), “estimulam e apóiam a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas e a Unicamp voltadas para a atividade de pesquisa e desenvolvimento para a geração de produtos e processos inovadores” (4). A UNICAMP é central no desenvolvimento e na manutenção dos pólos tecnológicos da RMC (5) envolvendo desde grandes e médias empresas de capital nacional até grandes transnacionais que, atraídas pelo potencial de produção tecnológica e de exploração da mão de obra altamente qualificada e barata que sai desta universidade, se instalam na região (Bosch, Motorola, Medley, DellPetrobrásCPFL, entre outras). 

Ao contrário do que se poderia imaginar esse processo não é particular da UNICAMP ou USP, mas está ligado a um projeto nacional de estímulo à indústria e financiamento a projetos deinovação.  Os projetos Brasil MAIOR (programa de Dilma para incentivo à competitividade da indústria nacional frente a concorrência externa, lê-se chinesa) e INOVA Brasil (6) (projeto de financiamento à inovação também em parceria com universidades) são bons exemplos disso. Estas iniciativas têm como objetivo estreito alavancar o “desenvolvimento” do Brasil. Este é propagandeado pelo governo e pela mídia burguesa como sinônimo de um passo rumo a um “Brasil potência” e a um país “sem miséria”. No entanto, o que se revela por trás dessa visão ideológica da inovação é o Brasil da semi-escravidão no trabalho terceirizado, da escravidão nas indústrias têxteis da Zara e da Renner, das condições deploráveis de habitação e saúde pública e de uma educação pública sucateada, precarizada além de dependente do capital privado nos casos das grandes universidades públicas, a fim de manter o caráter excludente, elitista destas últimas. Esse é o país da ameaça inflacionária e do super-endividamento da população através do crédito fácil e salário-mínimo miserável, país que hoje, num contexto de crise estrutural do capital, fará seus trabalhadores pagarem pela crise em defesa do capital privado e imperialista. Este é o verdadeiro projeto de país que surge das entranhas das universidades burguesas brasileiras, ao qual seu conhecimento está diretamente associado.

Nesse sentido, São Bernardo do Campo desponta como exemplo de relação umbilical entre as empresas de aviação Dassault  (França) e SAAB (Suécia) que estão na concorrência no processo de licitação do governo federal para a compra de caças, ambas as empresas pretendem ou já construíram  (no caso da SAAB) pólos de desenvolvimento de pesquisa e inovação na área de defesa, segurança, energia, transporte e logística na cidade beneficiado pela prefeitura do petista e ex-sindicalista Luiz Marinho e também pela cooperação com as Universidades UFABC, FEI e Fatec além da parceria com outras transnacionais como VolvoScania (ambas de capital  sueco) e a “brasileira” Vale.

Existem outros tipos de universidades presentes em nosso país, além dos “pólos de excelência” e “centros inovadores” como USP e UNICAMP. Outra delas são as universidades privadas, que são constituídas principalmente por grandes monopólios imperialistas, que criam grandes redes de filiais em todo território nacional e mantêm sua restrição social a partir de mensalidades relativamente altas, tornando-se também uma vigorosa fonte de lucro incentivado pelo governo a partir do PROUNI, isenções ficais e outros estímulos. Este projeto específico tem como principal objetivo, por um lado, a extração de lucro direto utilizando-se do anseio da juventude que busca conhecimento, emprego e qualificação para o mercado de trabalho; por outro lado estas universidades cumprem o papel imperioso para o capitalismo internacional e o projeto desenvolvimentista de Lula e Dilma, criando mão de obra barata e especializada para as grandes empresas transnacionais. Este projeto chega ao cúmulo de ter tal vínculo com estas empresas que fecham e abrem cursos, constroem e destroem campus a depender de suas necessidades e exigências. Outro projeto de universidade em desenvolvimento e em experimentação no Brasil, filhas diretas do projeto de país lulista vigente, são as federais que, inspiradas no projeto de Bolonha, tem sido transformadas, a partir do Enem como vestibular nacional, e do ENADE quanto homogenizador de “qualidade-conteudo”, em um grande distribuidor de conhecimento, gestores e trabalhadores qualificados, para os setores econômicos estratégicos nacionais, pilares do “Brasil potência”. Constituindo-se como uma grande caricatura das contradições deste projeto de país, estas universidades são as mais sucateadas do Brasil e tem se precarizado ainda mais através do REUNE e a necessidade crescente de corte de gastos e a falta de verbas, aprofundando ainda mais a terceirização.

A partir desses exemplos vemos que a inovação vendida como “progresso” está, em verdade, associando-se às universidades a serviço do capital privado imperialista e do Estado burguês, que terceirizam e escravizam. A “inovação”, neste sentido, vem contra a classe trabalhadora aprofundando o projeto burguês de uma universidade elitista e excludente.

Do questionamento da universidade de classe para o questionamento da sociedade de classes. Este é o desafio que a juventude intelectual deve se colocar cotidianamente. Partindo do questionamento da usurpação de sua massa cefálica, para questionar o projeto de país usurpador. Concentrando seu conhecimento para a construção de um projeto de universidade que subverta a atual, cujo conhecimento seja produzido pela classe trabalhadora, juventude e todos os setores oprimidos, respondendo a seus próprios e legítimos interesses históricos.

* Universidade Federal de São Carlos – SP.
(4) Fonte: site INOVA Unicamp, área de atuação disponível em:http://www.inova.unicamp.br/paginas/visualiza_conteudo.php?conteudo=2
Incamp descrição de atividades e atuação detalhada no site da entidade:http://www.incamp.unicamp.br/
Rede paulista de inovação (mais sobre) : http://www.rpinovacao.org.br/sobre.html
(5) Região Metropolitana de Campinas.
(6) Portal FINEP INOVA Brasilhttp://www.finep.gov.br/programas/inovabrasil.asp. O FINEP Inova Brasil é um programa de crédito reembolsável (que precisa ser devolvido) voltado para médias e grandes empresas, que dá apoio de até 90% do valor total do projeto para planos de investimentos estratégicos em inovação, de acordo com a Política de Desenvolvimento Produtivo - PDP, do Governo Federal. Os encargos vão de 4% a 8% e ele funciona em fluxo contínuo, ou seja, não depende de lançamento de editais. O programa possui três linhas de crédito: capital inovador, inovação tecnológica e pré-investimento. As linhas incluem projetos inovadores de natureza tecnológica e que envolvam risco tecnológico, projetos que capacitem as empresas a desenvolver atividades inovativas, projetos de pré-investimento e de engenharia consultiva (incluindo em parcerias com universidades e centros de pesquisa). Fonte:http://www.softsul.org.br/portal/noticia.php?id=2396
O que´e FINEP? FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos é uma empresa pública vinculada ao MCT. Foi criada em 24 de julho de 1967, para institucionalizar o Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas, criado em 1965.  Seu objetivo é "transformar o Brasil por meio da inovação". http://www.finep.gov.br/o_que_e_a_finep/a_empresa.as
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