Por Adriano Favarin, estudante de Pedagogia da USP
Não é possível afirmar taxativamente que a expectativa (e a concretização) do beijo entre dois homens na novela mais assistida da televisão brasileira representa, por si só, um papel progressista ou reacionário. Para não desenvolver opiniões meramente superficiais, sentimentais ou sectárias é necessário partirmos de analisar a conjuntura nacional e internacional na qual se insere esse beijo e as mudanças pelas quais passou o próprio movimento LGBTT e, também, como chega a subjetividade das massas com relação a esse tema no momento atual. Também é necessário nos debruçarmos sobre a política e o programa que a esquerda tem levado a frente há anos com relação ao tema da sexualidade e seus impactos. Tudo isso à luz do próprio desfecho de conjunto da trama da novela, na qual o beijo é apenas uma cena de toda uma conclusão ideológica conscientemente refletida pela Rede Globo de Televisão.
A polarização social com
relação às demandas de gênero e da sexualidade como marca da conjuntura
Na
última campanha eleitoral presidencial brasileira de 2010 vimos a expressão
dessa polarização relacionada principalmente ao tema do aborto. Dilma, do PT,
para ser eleita, assegurou à bancada evangélica do Parlamento e à Igreja
Católica que não avançaria nos direitos democráticos da mulher e dxs
homossexuais. Esse giro à direita do PTismo para assegurar votos e a
governabilidade parte do silenciamento com relação às milhares de mulheres mortas
por abortos clandestinos, caminha pela via do impedimento da propaganda contra
a homofobia nas escolas e da conscientização sobre os riscos da AIDS e conclui
com o pacto entre o PT e o PSC na garantia da presidência da Comissão de
Direitos Humanos (CDH) para o pastor evangélico reacionário, Marco Feliciano.
Mesmo
antes de junho de 2013, a reação do movimento LGTTBI com relação às ações,
projetos e declarações racistas e homofóbicas de Feliciano mostrava um
potencial de indignação, insatisfação e rearticulação dxs homossexuais enquanto
movimento questionador e político. Devido à vitória do PT na cooptação dos
movimentos sociais – entre eles o LGTTBI – e ao programa sempre defensivo que
os setores de esquerda dentro do movimento têm levado à frente durante anos,
deseducando xs homossexuais, ficando sempre a reboque dos ataques e rebaixando
o programa sempre à miséria da resistência possível (que não incomode demais o
opressor), mesmo após junho, e após ter conseguido barrar a proposta de
patologização da homossexualidade e silenciar por seis meses a CDH presidida
por Feliciano, xs homossexuais não conseguiram derrubá-lo da presidência da
CDH. Enquanto isso, para manter a estabilidade do regime abalado pelo
desprestígio do Legislativo – uma das suas principais instituições –, o Poder
Judiciário aprovava limitados direitos de união estável para os casais
homoafetivos.
A
nacionalização midiática desses processos de polarização relacionados à
temática da (homo)sexualidade desprovido de uma educação sexual e discussão
mais profunda na sociedade sobre gênero e sexualidade, ligado há anos de
Restauração Burguesa e ao papel do PTismo como, ao mesmo tempo, direção desses
movimentos contestadores e governo conservador, direcionaram a polarização de
classe contra o regime para uma equivocada polarização entre evangélicos
(cristãos) e homossexuais, que serviu para encobrir os giros cada vez mais à
direita do próprio regime contra a sexualidade (como a tentativa barrada por
junho da patologização da homossexualidade) e a um aumento do número de
assassinatos de homossexuais por grupos de extrema-direita (fascistas).
Internacionalmente
as questões democráticas ligadas ao gênero e a sexualidade têm polarizado os
países. Na França a aprovação do casamento igualitário colocou centenas de
milhares nas ruas a favor e contra esse direito. Na Rússia o governo e os
grupos fascistas organizados têm avançado na humilhação e assassinato
legalizado de homossexuais. Na Espanha, o governo acaba de aprovar uma lei que
restringe a liberdade da mulher sobre seu próprio corpo, barrando o direito ao
aborto legal, seguro e gratuito conquistado há mais de duas décadas. Não
considerar esses elementos da conjuntura na hora de refletir sobre o que
significa uma das maiores redes de comunicação mundial apresentar um beijo
entre dois homens no horário em que a maioria das famílias brasileiras estão
assistindo à novela pode levar a uma posição festiva oportunista ou superficial
e sectária em relação à repercussão e significado desse fato nacional. A única
coisa por hora concreta que podemos dizer sobre essa cena é que ela serviu para
recolocar a temática da sexualidade (homossexualidade masculina,
especificamente) no cotidiano da população.
O inicio da organização do
movimento LGBTTI na década de 60 e 70
No bojo do
último ascenso da revolução social do século passado, nas décadas de 60 e 70, a
questão da sexualidade assumiu uma localização importante nos processos da luta
de classes. Xs jovens, cansadas da moral conservadora e repressora da sociedade
capitalista se colocaram em movimento por uma sociedade livre das opressões. O
pano de fundo dessa busca se deu em um mundo polarizado entre o capitalismo
imperialista norte-americano e seu “american way of life” heteropatriarcal e o
socialismo soviético stalinizado (com suas cópias deformadas), tão degenerado
por dentro, a ponto de retroceder nas mais avançadas conquistas democráticas
pós-Revolução de 1917, como a liberdade sexual, o direito ao corpo e ao aborto,
a separação da Igreja do Estado, etc. Nessa luta pela livre expressão da
sexualidade, xs jovens se chocaram contra a idêntica normatização sexual
imposta pelos dois pólos sociais existentes, contra a repressora família
nuclear burguesa e sua burocrática cópia stalinista e compreenderam que a
sexualidade só poderia ser plena se fosse sem as amarras tanto da ditadura do capital
quanto da ditadura da burocracia da URSS.
A compreensão
que a juventude da década de 60 e 70 faz de que a luta pela liberdade sexual só
pode ser alcançada conjuntamente com uma estratégia de luta pela revolução
socialista nos países capitalistas e pela revolução política nos países
burocratizados deixaram experiências das quais não basta apenas relembrarmos
hoje como memórias do passado, mas que merecem ser entendidas, estudadas e
reapropriadas para o presente como a luta das travestis de StoneWall contra a
polícia e a justiça; ou a militância da Frente Homossexual de Ação
Revolucionária na França que buscava se unificar com os partidos comunistas; ou
xs homossexuais que se organizaram na Argentina para combater a ditadura
militar; e finalmente, com setores do Grupo SOMOS, no Brasil, que marcharam
para a assembleia dos metalúrgicos do ABC para declarar seu apoio e serem
ovacionados pelxs trabalhadorxs. É o exemplo, o programa e a estratégia que
esses setores levavam a frente para garantir o fim da miséria sexual da
humanidade e o combate a moral heteronormativa vigente que tanto assustava a
burguesia e a burocracia stalinista, maoísta e castrista.
A fagocitose do subversivo: a normatização e esteriotipação da
sexualidade marginal
A derrota da
revolução política polonesa em 1982 encerrou esse período de ascenso social. A
derrota da greve dos mineiros britânicos pelo governo de Margareth Thatcher em
1984-85 iniciou o período de ofensiva restauracionista da burguesia. A reação
econômica com o neoliberalismo é simultânea a reação em todas as demais esferas
da estrutura e superestrutura social. Tomar as consignas e as reivindicações da
geração derrotada e torná-las inofensivas tem sido historicamente o método com
o qual as classes dominantes tratam a contracultura. No caso LGTTBI, a
aceitação da sexualidade homoafetiva (objetivamente impossível de combater, já
que o próprio desenvolvimento do capitalismo favorece o desenvolvimento de relações
sexuais homoafetivas[1])
se dá na medida em que o capitalismo possa transformar seus elementos
subversivos em dóceis reprodutores da dominação do capital. O enquadramento e
padronização da sexualidade entre dois polos opostos (homossexuais e
heterossexuais), com rótulos, estereótipos, cultura, gosto musical, jeito de
andar, de se vestir, se portar, de falar, etc... foi o principal responsável
para o fortalecimento da concepção ideológica de determinismo biológico para a
sexualidade.
Conjuntamente
com essa ferramenta ideológica castradora que normatiza a sexualidade homo em
padrões familiares heteropatriarcais se dá a propagação da AIDS e do HIV como consequência
da ‘promiscuidade’ homossexual, fortalecendo ainda mais a ideia da necessidade
da monogamia patriarcal e das relações homoafetivas submetidas aos moldes do
casamento burguês heteronormativo para ser aceito em uma sociedade sexualmente
miserável. O cu perdeu a sua subversão. O prazer sexual não-penetrativo e
não-reprodutivo foram perdendo sentido. O sujeito homossexual foi se afirmando
enquanto tal e na mesma medida, reafirmava o sujeito heterossexual, os dois
como seres determinados biologicamente e buscando seu espaço e aceitação na
sociedade. O heterossexual, aceito e reivindicado; o homossexual, invisível e
marginalizado. A sexualidade não-heteronormativa perdia assim o seu caráter
questionador da sociedade de classes para se contentar aprisionada em caixinhas
esteriotipadas, padronizadas e limitadas. A luta pela liberdade sexual da
humanidade (e logo, contra o capital) cedeu espaço para a luta pela
visibilidade, aceitação e conquistas de direitos de cidadão dentro do
capitalismo para um setor social enquadrado (e também sexualmente limitado)
como homossexual.
A esquerda reformista e a
esquerda centrista diante as questões democráticas durante o neoliberalismo
A esquerda
reformista, na sua luta para gerir o Estado capitalista e demonstrar para a
burguesia como pode fazê-lo mais aceitável e a exploração de classe que ele
engendra mais humanizada, se contenta na luta por reformas cosméticas nas leis
e demais papéis da burocracia do Estado que afirmem direitos iguais para
sujeitos homossexuais e heterossexuais. Para além de serem papéis molhados
dentro de um sistema que não pode existir sem limitar a liberdade sexual da
humanidade, tal política abre precedente (quando não aponta diretamente) na
determinação biológica da sexualidade e não na possibilidade da sua construção
e desconstrução social. O centrismo, ainda que coloque a perspectiva
estratégica de superação do capitalismo por via da revolução e da ligação com a
classe trabalhadora e demonstre a diferença entre a situação dos homossexuais burgueses
dos homossexuais das classes oprimidas, conclui sua política com programas
rebaixados e que não levam a ligação real entre xs homossexuais e a classe
trabalhadora. Não disputam dentro da classe, nos sindicatos que dirige e nas
relações operárias que constroem, a luta contra a homofobia, mas permanecem no
terreno puramente sindical e econômico. Terminam, assim, programaticamente, em
demandas rebaixadas e miseráveis, como chega a ser a exigência de que haja um
beijo-gay na novela[2] ou a
luta, sem nenhuma diferenciação de classe, pela criminalização da homofobia, o
que não ajuda a desenvolver a organização dos oprimidos, nem a unidade das demandas
das mulheres, dxs negros e homossexuais, e acaba depositando confiança nos
inimigos da revolução social – a polícia, a justiça, a lei do Estado burguês –
como possíveis aliados, impedindo uma luta séria pela liberdade sexual ao não
organizar xs oprimidos para extrapolarem os limites do capitalismo.
O
“beijo-gay” aceitável, a polarização reacionária e a esquerda miserável
No último capítulo da novela “Amor à Vida”, para além do nascimento
de filhos varões e dos casamentos e uniões familiares, constituições e
reconstituições da família nos modelos burgueses como núcleo da felicidade e
mantenedoras da educação moral e cristã, assistimos a cena final de Félix e
Nico vivendo em família, como um tradicional casal burguês, falando dos
negócios do casal, cuidando dxs filhxs (ou melhor, deixando xs filhxs aos
cuidados da babá) e, enquanto um permanece no lar, o outro parte para o
trabalho, e se despedem com um selinho relativamente prolongado. Em nenhum
momento, porém, pronunciam que ‘se amam’.
A próxima cena da novela, a cena final de fato, termina com Félix ao lado de
seu pai, César, olhando o pôr do sol, e, para seu pai, Félix diz “eu te amo” e
recebe a inesperada resposta do machista e homofóbico pai que este também o amava.
Não é possível negar que, para a maioria dxs homossexuais que sentem na pele o
que é ser rejeitadx pela família por não querer se limitar a miséria sexual
pré-escolhida para você pela sociedade antes mesmo do seu nascimento, essa cena
foi muito mais emocionante e marcante do que o tal beijo em si.
Não foi casual que a Rede Globo encerrou a novela dando mais peso para a reconciliação familiar e a declaração de amor entre pai e filho do que ao final feliz com o beijo do casal gay protagonista. O beijo entre os dois homens, em si, não modificou a subjetividade da população. Não vai fazer aqueles que são contra as relações homoafetivas ficarem a favor, todos já esperavam esse beijo e comentavam sobre ele independente dele vir ou não ao ar. No dia seguinte, em uma banca de jornal, era possível ouvir daqueles que são contra as relações homoafetivas os comentários de repúdio ao pegarem 'O Agora’ ou ‘O Diário’ e verem a foto do beijo estampada em um quadradinho pequeno na capa e a naturalidade de sempre daquelxs que sempre enxergaram de forma natural o beijo entre pessoas na vida real. Ao mesmo tempo em que a Rede Globo traz uma cena de beijo entre dois homens, envolve esta por inúmeros elementos que buscam demonstrar qual o ‘tipo’ de homossexual aceitável. Ideologicamente significa reforçar a moral familiar e, até mesmo, cristã (basta ver o ultimo pronunciamento do Papa com relação aos homossexuais e a Igreja[3]), fortalecer a concepção reacionária da família nuclear burguesa e condicionar o potencial subversivo e explosivo latente na luta pela liberdade sexual encabeçada pelxs homossexuais aos limites da democracia burguesa e da luta pela visibilidade, aceitação e cidadania.
Ao não se preocupar com o fato de que, com a educação moral conservadora que temos nas escolas, igrejas e famílias, a reprodução em si de uma cena de beijo entre dois homens que não desconstrua esse preconceito e ódio ensinado durante anos de vida termine por reforçar os preconceitos e ódio nos setores reacionários da sociedade, ao mesmo tempo em que se comemora acriticamente a trama de conjunto, a esquerda desarma a luta dxs homossexuais, pois retira a cena do seu contexto e não extrai as conclusões ideológicas conservadoras fundamentais que a burguesia passa, pela via da Rede Globo, na subjetividade da população e que é necessário combater. Essa esquerda miserável não é capaz de educar e politizar em cima da situação nacional aberta, mas segue debatendo mortalmente se a Globo foi progressista ou não; se o beijo foi responsabilidade da luta dxs homossexuais ou fruto das Jornadas de Junho, ou dos dois, ou se da benevolência de Walcyr Carrasco; e não consegue de fato, a partir dos sindicatos, movimentos sociais e entidades estudantis que dirige, politizar e debater a sexualidade com a classe trabalhadora e a juventude utilizando da repercussão dessa cena e fazendo o combate a todas as contradições reacionárias que a trama de conjunto engendra no subjetivo da população.
Não foi casual que a Rede Globo encerrou a novela dando mais peso para a reconciliação familiar e a declaração de amor entre pai e filho do que ao final feliz com o beijo do casal gay protagonista. O beijo entre os dois homens, em si, não modificou a subjetividade da população. Não vai fazer aqueles que são contra as relações homoafetivas ficarem a favor, todos já esperavam esse beijo e comentavam sobre ele independente dele vir ou não ao ar. No dia seguinte, em uma banca de jornal, era possível ouvir daqueles que são contra as relações homoafetivas os comentários de repúdio ao pegarem 'O Agora’ ou ‘O Diário’ e verem a foto do beijo estampada em um quadradinho pequeno na capa e a naturalidade de sempre daquelxs que sempre enxergaram de forma natural o beijo entre pessoas na vida real. Ao mesmo tempo em que a Rede Globo traz uma cena de beijo entre dois homens, envolve esta por inúmeros elementos que buscam demonstrar qual o ‘tipo’ de homossexual aceitável. Ideologicamente significa reforçar a moral familiar e, até mesmo, cristã (basta ver o ultimo pronunciamento do Papa com relação aos homossexuais e a Igreja[3]), fortalecer a concepção reacionária da família nuclear burguesa e condicionar o potencial subversivo e explosivo latente na luta pela liberdade sexual encabeçada pelxs homossexuais aos limites da democracia burguesa e da luta pela visibilidade, aceitação e cidadania.
Ao não se preocupar com o fato de que, com a educação moral conservadora que temos nas escolas, igrejas e famílias, a reprodução em si de uma cena de beijo entre dois homens que não desconstrua esse preconceito e ódio ensinado durante anos de vida termine por reforçar os preconceitos e ódio nos setores reacionários da sociedade, ao mesmo tempo em que se comemora acriticamente a trama de conjunto, a esquerda desarma a luta dxs homossexuais, pois retira a cena do seu contexto e não extrai as conclusões ideológicas conservadoras fundamentais que a burguesia passa, pela via da Rede Globo, na subjetividade da população e que é necessário combater. Essa esquerda miserável não é capaz de educar e politizar em cima da situação nacional aberta, mas segue debatendo mortalmente se a Globo foi progressista ou não; se o beijo foi responsabilidade da luta dxs homossexuais ou fruto das Jornadas de Junho, ou dos dois, ou se da benevolência de Walcyr Carrasco; e não consegue de fato, a partir dos sindicatos, movimentos sociais e entidades estudantis que dirige, politizar e debater a sexualidade com a classe trabalhadora e a juventude utilizando da repercussão dessa cena e fazendo o combate a todas as contradições reacionárias que a trama de conjunto engendra no subjetivo da população.
Por
uma resposta classista para a sexualidade
O movimento LGTTBI organizado e
dirigido pelas ONG’s surgidas na década de 90 e dirigidas pelo PT mostrou sua
falência histórica no decorrer do ano passado. Mesmo após junho, esse movimento
cooptado, ligado ao petismo e aos partidos governistas e que tem como estratégia
a eleição de parlamentares gays para defender os direitos igualitários de
cidadão dxs homossexuais por dentro do capitalismo, não foi capaz – exatamente
por tudo isso – de derrubar Marco Feliciano da CDH. A esquerda reformista busca
se localizar nas contradições do governo e ocupa o espaço a esquerda do PT, com
a mesma estratégia de eleger seus parlamentares – como Jean Wyllys, do PSOL, o
mesmo que defende a legalização da cafetinagem e, consequentemente, a
institucionalização da miséria sexual da humanidade. A esquerda centrista, pela
sua lógica de departamentalização das demandas dos setores oprimidos e pela
pressão pequeno-burguesa que possui em fazer da luta contra as opressões
sociais uma luta contra os sujeitos socialmente privilegiados pela sociedade e
não uma luta contra essa sociedade que engendra esses privilégios, não consegue
se colocar como alternativa para xs homossexuais na luta pela liberdade sexual,
pois termina fazendo dxs homossexuais quadros das suas causas particulares e
não dirigentes revolucionários na construção de uma organização que derrube
esse sistema de conjunto. A academia, por sua vez, ligada a Teoria Queer, a Judith Butler e
Foucault, com uma discussão sobre a sexualidade menos adaptada à democracia
burguesa da época de restauração e mais livre, peca por não trazer a luta para
a realidade de classes e permanece divagando no universo particular do abstrato
quais seriam as formas de relações mais completas e menos opressoras em uma
sociedade desejável. Sem buscar construir o caminho para chegar até essas
relações e essa sociedade, que passariam necessariamente por se colocar nas
trincheiras da classe trabalhadora contra a burguesia, acabam se adaptando ao
reformismo e a eleição de parlamentares homossexuais.
É necessário que a esquerda paute esse
debate nas categorias operárias que atua seja como oposição ou direção sindical.
A Oposição Alternativa de professores do Estado de São Paulo, por exemplo, não
pode entrar em greve sem questionar profundamente o currículo e a escola,
pautando a necessidade da educação sexual laica e não moralista e organizada
pelxs professorxs, assim como o desvinculo da Igreja com o Estado e a educação.
A esquerda não pode mais, ano após ano, somente observar a “burguesia Pink”
lucrar como poucas vezes no ano sobre um evento que deveria servir para
impulsionar a luta contra os pilares desse sistema social que inibe e reprime a
nossa sexualidade, que seriam as Paradas Gays.
É nesse sentido que faço um chamado
público para toda a esquerda, começando com a organização na qual eu milito, a
Juventude às Ruas, e a entidade nacional que construo, a ANEL, a organizarmos
um forte bloco classista na Parada Gay do dia 04/05 em São Paulo (e nos dias
das demais cidades), que esteja unificado sob a bandeira da educação sexual laica
nas escolas; pelo aborto legal, livre, seguro e gratuito; por hotéis públicos
para a juventude poder se relacionar sem os perigos do sexo insalubre e anti-higiênico
e livre da opressão familiar; pelo direito a identidade trans; por
anticoncepcionais e cirurgias de redesignação sexual gratuitxs e com
acompanhamento de qualidade em um SUS controlado pelos trabalhadores da saúde; pela
garantia por parte do Estado de trabalho para todas as travestis em situação de
prostituição; pela prisão de todo aliciador e cafetão, como a punição de todxs
xs agressorxs de homossexuais, a começar pelos parlamentares, ‘humoristas’ e
meios de comunicação que reproduzem e legitimam a violência homofóbica.
Nós, da Juventude às Ruas, estaremos
em bloco, com toda a certeza junto do Grupo de Mulheres Pão e Rosas, como parte
do Movimento Mulheres em Luta, levantando bem alto que essas demandas só podem
ser conquistadas na luta dxs homossexuais de maneira organizada para se
defenderem dos homofóbicos e da polícia; na confiança estratégica que a classe
trabalhadora, com todos os atrasos e preconceitos que muitos setores reproduzem
da ideologia burguesa, é a única que pode derrubar esse sistema, e que somente
enquanto parte da classe trabalhadora é possível a luta séria pela liberdade
sexual.
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