sexta-feira, 24 de maio de 2013

O Problema do Ensino Superior no Brasil: entre a Privatização e a Expansão Precariza


Por Iuri Tonelo

extraído do http://blogiskra.com.br

Estando o Brasil ainda no limiar da estabilidade econômica (rondado por inflação, queda do preço das commodities, crescimento acelerado da importação etc.) num mundo em tendência claramente recessiva, o governo petista tem feito uma grande campanha sobre os índices de “emprego, salários e poder de compra real”, como apontou recentemente Dilma Rousseff em seu último pronunciamento no primeiro de maio de 2013[1].
Entretanto, a própria presidenta apontava um dos grandes problemas estruturais no Brasil, por trás das estatísticas embelezadoras: a educação básica e o ensino superior. Em relação à educação básica, merece uma análise à parte o grande ataque que vem recebendo os professores no último período (como demonstram as greves recentes) e toda a infraestrutura escolar. No que tange ao ensino superior, que queremos adentrar na discussão, os grandes projetos do governo como “universidade nova” (REUNI), o Programa Universidade para Todos (PROUNI), Fundo do Financiamento Estudantil (FIES) e toda a “estatística da expansão” do ensino superior vem esbarrando na enorme contradição presente em um país com 190 milhões de habitantes que ainda recorre à importação da força de trabalho especializada, que não consegue aprimorar o ensino superior e a qualificação e, mais importante, que vem sendo paladino da bandeira da democratização do ensino, sem revelar a verdadeira natureza dessa expansão.

O “pós-neoliberalismo petista” e a privatização por outros meios


A avalanche neoliberal da década de 1990 significou no terreno da educação um verdadeiro desastre: mostrando – com suas características especiais de um país continental – a sua faceta semicolonial; o Brasil viveu um verdadeiro desmonte[2] na educação básica (em que professores e alunos vivenciam hoje na pele o “legado” deixado pelos anos ’90) e, no que tange ao ensino superior, apontou uma combinação entre a abertura da educação como novo nicho de valorização do capital internacional (imperialista) e o irrisório crescimento do ensino público (para se ter uma ideia, em dados do relatório do INEP, entre 1980 e 1995 o crescimento das instituições de ensino superior no Brasil foi de 1,36%!). O governo de FHC deu continuidade a esse movimento gerando uma verdadeira explosão do ensino superior privado, que entre 1996 e 2004 cresceu 151%[3].
educacaoCom a entrada do governo petista na presidência em 2002, a promessa histórica de transformação na educação pareceu se vislumbrar a alguns. Mas ao contrário de uma mudança na lógica neoliberal da “expansão”, os 10 anos do governo petista significaram outro salto na lógica privatista. Isto porque o mercado brasileiro educacional viveu uma explosão e o governo petista, conciliando falácias de expansão do ensino superior com os interesses frenéticos do empresariado da educação, consumou dois projetos fundamentais para o ensino privado no Brasil: o PROUNI (Programa Universidade para Todos) e o Financiamento para Ensino Superior (FIES), os dois “grandes” programas do governo federal para executar o projeto de educação do modelo petista. Tais projetos foram lançados momento em que o Ensino Superior do Brasil sofria de uma evasão brutal e havia uma crise instalada no setor da educação superior (o qual se desenvolvia segundo a lógica mercantilizadora neoliberal), as instituições de educação superior eram montadas segundo critérios lucrativos, totalmente desvinculada de profissionais capacitados em educação ou de objetivos genuínos de contribuir com o nível educacional do país.
Daí que o governo petista, como é sua maior especialidade, combinou a falácia política com o lucro do empresariado falido da educação, e fez desse direito histórico (“o mais democrático de todos desde a Revolução Francesa”), uma maneira de salvar esses empresários, criando programas de bolsas de estudos em universidades privadas sem estrutura educacional, material pedagógico qualificado, professores preparados etc., e inseriu uma massa de estudantes nessas instituições, sob a bandeira da “educação e democratização”.
Decorre disso o resultado é que entre 2002 e 2010 as matrículas na educação pública passaram de 27% para 25% (!), regredindo o número de vagas e privatizando ainda mais o ensino superior (sob esse aspecto, Lula e Dilma foram mais capazes que FHC em privatizar). Atrelado a isso, está o projeto do governo de reservar cotas nas federais para estudantes de baixa renda, negros e indígenas, cotas essas que estão aquém mesmo da proporção de negros nos Estados e, ademais, que não se relacionam como uma democratização radical das universidades com qualidade de ensino, o que tende a dar um verniz de esquerda ao governo e mantém o problema de formar estes jovens em ensino precário.
O problema, no entanto, não para aí, pois além do problema do acesso, conformou-se no Brasil uma verdadeira máquina monopolista da educação.

A oligarquia financeira é dona da educação: o país do maior monopólio de educacional do mundo


Recentemente causou espanto a todos nos meios midiáticos o salto privatizador e monopolista que o capital financeiro alcançou no sistema educacional brasileiro: com a anunciada fusão entre o grupo Anhanguera e o grupo Kroton, conformou-se o maior monopólio de ensino superior do mundo no Brasil, com patrimônio de R$13 bilhões. Para se ter uma ideia, se juntássemos o patrimônio dos 7 maiores monopólios de educação no mundo depois deste recentemente formado (o que incluiria New Oriental, Estácio de Sá, De Vry, Appolo Group, Abril, Apey, Staraier University), daria um mercado de $11,8 bilhões, e apenas esse primeiro possui o total de $5,8 bilhões, metade de todos os outros juntos[4]!
Assim que adentramos mais a fundo para entender o problema da lógica com a qual vai se expandindo o ensino superior no Brasil: mais do que uma privatização, na gestão petista o que encontramos é uma verdadeira entrega de nossa educação nas mãos do imperialismo e a oligarquia financeira. O poder que essas gigantes da educação vem ganhando em nosso país implica cada vez mais em uma pressão sobre os governos para ajustar seus programas de bolsas e investimentos de acordo com seus lucros.
Ademais, voltamos a uma espiral sem fim, pois trata-se de um neoliberalismo por outras vias e, nesse sentido, o problema da educação e da qualificação de nossa força de trabalho continua a ser um problema estrutural.

Dinheiro para as faculdades privadas e precarização para as faculdades públicas


Se vemos por um lado esse enorme montante investido nas faculdades privadas e a conformação dos principais monopólios em nível mundial, no ensino público o governo também se alçou com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Em primeiro lugar, e como um dos aspectos mais fundamentais, é preciso entender que essa “expansão” do ensino público é contraditória no Brasil já que se trata, em termos relativos, de uma avalanche no mercado privado de educação e algumas medidas na expansão das federais. Entretanto, como o eixo do governo não está na expansão pública de qualidade, essas medidas foram orquestradas sem um planejamento adequado e um investimento necessário na estrutura das universidades e na permanência estudantil, o que tem um resultado direto na precarização das condições de ensino e pesquisa nas universidades[5]; ademais, o plano inclui um sistema de metas (na diminuição da evasão, índices de pesquisa das federais, número de concluintes, cursos noturnos etc.) o que na prática promove uma competição entre as IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) por investimento e recai o peso do sobretrabalho proposto nas costas dos funcionários e professores das federais, que tem que ampliar seu trabalho para atingir as metas propostas.
É nesse sentido que muitos professores das federais vêm dizendo que, além de uma “expansão” precarizada, trata-se de um projeto de precarização do trabalho docente. O caminho desse processo só pode ser, a longo-prazo, o desmonte do ensino superior público, interesse fundamental dos barões do ensino superior e a oligarquia financeira (e os governos que as sustentam).
É nesse contexto que o governo vem fazendo propaganda do ENEM como uma prova que “estaria acabando com o vestibular”. Entretanto, esquece de explicar que esta prova (selecionadora e ainda meritocrática) favorece a entrada nas públicas de uma estrita minoria em termos relativos: ou seja, mantém-se impecável o esquema dos “nichos de excelência” com seus tradicionais vestibulares e para a expansão precarizada aplica-se o ENEM. Que democratização!

Os projetos de inclusão nos “nichos de excelência”: o programa PIMESP em São Paulo


Em meio a essa expansão precarizada nas públicas e a enorme privatização em nível nacional, os governos ainda mantém algumas poucas universidades públicas com forte investimento. É o caso, a título de exemplo, das universidades estaduais paulistas (USP, UNICAMP e UNESP). Nestas universidades, mantém-se um investimento, com fortes programas de pós-graduação e muita inversão em pesquisa no intuito de conformar polos de formação de quadros para o governo (lembrando que Dilma estudou na UNICAMP, Alckmin especializou no HC da USP, Haddad é professor da USP entre muitos outros exemplos). Mas muito além disso, estas universidades funcionam como grandes centros de patentes dos principais monopólios internacionais no Brasil e, pouco a pouco, com as fundações e parcerias público-privadas, vem se avançando a “colonização” empresarial da pesquisa nessas universidades.
Nesse sentido, a burguesia paulista e seus representantes no governo do PSDB, imersos em seu “elitismo colonial”, não ousam traçar nenhum plano que coloque em “risco” seu filtro social especializado para estas universidades: o vestibular. Controlam a risca aqueles que podem ou não ter acesso à universidade.
Entretanto, com a propaganda petista em nível nacional, o PSDB foi obrigado a pensar em algum plano de inclusão na universidade e anunciou, com o reitor da USP Grandino Rodas como paladino, o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista (PIMESP): não contente com o vestibular, a proposta agora seria uma “inclusão excludente”, pois reservaria a estudantes de baixa renda, negros e indígenas não apenas uma prova (vestibular) inacessível, mas um “college” de dois anos em que estes estudantes teriam que estudar civilidade, profissionalização, inovação, empreendedorismo, liderança (disciplinas do PIMESP) para daí, se tiverem notas boas em todas as disciplinas e aceitarem os ditames impostos pela ideologia conservadora vigente, terem acesso a universidade; ou seja, transformaram o vestibular em um colégio inteiro como filtro social!  Nesse sentido, se o modelo petista de expansão vem atrelado a forte privatização e deve ser condenado e superado pelos professores, movimento estudantil e o conjunto dos trabalhadores e a população, o elitismo do PSDB merece o repúdio mais intenso e uma resposta rápida de todos os setores democráticos na universidade para dar um basta nesse projeto, o mesmo que através do controle rígido de uma casta burocrática vem atacando os estudantes e trabalhadores, demitindo sindicalistas, aprofundando o elitismo, incitando a privatização, terceirização e precarização do trabalho etc.

Nos 45 anos de maio de ’68, retomar a bandeira da democratização radical das universidades e o ensino público para todos!


universite-populaire-ouiPara desmascarar a privatização petista e tucana no ensino superior, e o vampiro usurpador neoliberal, que continua sugando o salário suado dos jovens trabalhadores brasileiros se utilizando de um dos direito mais democráticos (a educação) para submetê-los a sua ganância e seus interesses de lucro, é preciso que professores, estudantes e o conjunto dos trabalhadores coloquem na ordem do dia a discussão da democratização radical da universidade, partindo do problema do acesso.
No ano passado (2012), já nas IFES, professores universitários e estudantes protagonizaram uma importante greve, denunciando a dita expansão e a verdadeira faceta de precarização do trabalho, sistema de metas e, fundamentalmente, problemas estruturais de permanência estudantil como reflexo da precarização do ensino (falta de moradias, restaurantes, bolsas de estudo etc.), que são outra maneira de impossibilitar a população de baixa renda a permanência nas universidades.
Hoje em diversos campi das UNESPs se desenvolve uma forte mobilização enraizada no problema da permanência, que já afeta também brutalmente as universidades estaduais paulistas e, na mesma medida, o ataque elitista que sofreu a universidade com o PIMESP.
Para responder a altura, quando completamos 45 anos da grande mobilização estudantil de maio de 1968, é necessário que o movimento estudantil aliado aos trabalhadores e professores coloque como programa a democratização radical da universidade, começando nas públicas por acabar com o enorme filtro social do vestibular (e toda ideologia elitista que lhe pertence) e as estruturas de poder dominadas por uma burocracia acadêmica. Não basta opor o PIMESP as cotas, mas é necessário relacionar o programa de cotas proporcionais a democratização radical do acesso.
Mas que ligado a isso, busque a unificação da massa de estudantes nas universidades privadas com as públicas, lutando por todas as demandas desses jovens, como a redução radical das mensalidades, anistia dos inadimplentes, bolsas de estudo aos que não puderem pagar nas privadas etc.; tudo isso, na perspectiva de incendiar as universidades privadas e conduzir essas lutas para que estes estudantes tenham os mesmos direitos e mesma qualidade de ensino existentes nas públicas, portanto, lutando por transformar as vagas das privadas em públicas começando pela estatização dos três principais monopólios da educação no Brasil (Anhanguera-Kroton, Estácio de Sá, Abril) e generalizando a possibilidade de acesso aos trabalhadores e juventude brasileira em milhões.
O governo pode sim resolver o problema da educação no Brasil com estas medidas, pois a estatização de apenas um monopólio levaria a um número de mais um milhão de vagas públicas em nosso país.
Em base a esse projeto devemos reivindicar os royalties do petróleo, a bandeira dos 10% do PIB para educação e uma real mudança nos investimentos do Brasil para esse fim; não para financiar os monopólios privados, mas para realmente revolucionar a educação pública no país.
Hoje, no Chile, os estudantes estão aos milhares nas ruas lutando pela educação gratuita: entre os estudantes brasileiros, precisamos contaminar com essa audácia o movimento estudantil nacional, impulsionar e colocar no centro de nossas intervenções lutas como a da UNESP em curso hoje, superar a burocracia na UNE (mantenedora desse projeto) e alçar a ANEL como uma entidade que possa ser uma verdadeira resposta.
Os professores também já vêm mostrando o caminho nas últimas greves que vieram impulsionando nas universidades e no Estado. A aliança ente a juventude, professores e o conjunto da classe trabalhadora é o que pode fazer tremer de cima a baixo essa estrutura educacional excludente, os monopólios de rapina de nossa educação e toda a falaciosa propaganda petista. “Essas condições sociais petrificadas devem ser compelidas a dança, fazendo-as ouvir o canto de sua própria melodia”[6].


[1] – Ver pronunciamento de Dilma Rousseff em: http://www.youtube.com/watch?v=a2fXzohZt60
[2] Evidentemente, se partirmos da própria ditadura teríamos que nos remeter aos acordos MEC-USAID e toda a contradição do imperialismo ingerindo a educação pesadamente, e sua expressão acelerada e aguda na “anarquia” do capital financeiro nos anos ’90.
[3] Ver relatório “Resumo Técnico Censo da Educação Superior 2011” em www.inep.gov.br
[4] – Recentemente, muitos meios de comunicação divulgaram em detalhes o processo de fusão; dados sintetizados podem ser encontrados, entre outros, em:http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/04/1267094-fusao-brasileira-de-r-5-bilhoes-cria-gigante-global-de-ensino.shtml
[5] Recentemente o MEC anunciou o Programa de Bolsa Permanência (PBP), que para estudantes de baixa renda conferirá uma bolsa de R$400 (!). Chega a ser irônico esse valor num momento em que a inflação começa a se acelerar e ameaçar ferrenhamente.
[6] – Karl Marx. Introdução a critica da filosofia do Direito de Hegel. Boitempo Editorial. 2004

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