sexta-feira, 2 de março de 2012

Entrevista com Javiera Marquez, estudante da Universidade de Santiago do Chile, participou ativamente das lutas em defesa da educação gratuita e que está no Brasil

Juventude às Ruas: Por que você está vindo para o Brasil?

Eu fui convidada pelo comando de greve da USP para vir nas atividades da calourada. Fiquei muito contente porque será uma excelente oportunidade de compartilhar com o movimento estudantil brasileiro a histórica luta da qual fiz parte durante mais de 7 meses de luta, como militante trotskista do PTR [organização irmã da LER-QI no Chile] e ativista do movimento estudantil, que não somente colocou centenas de milhares nas ruas em luta pela educação pública, gratuita e de qualidade, mas também fez tremer as bases de um regime político super repressivo e anti-democrático, principalmente com a juventude. Acho que será ótimo que os estudantes daqui saibam o que aconteceu por lá, não pela via da mídia que distorce tudo, ou pela Camila Vallejo que sei que veio aqui no Brasil convidada pela UNE, pois a verdadeira história do que passou não poderia ser contada por essa via. Da mídia já sabemos o que esperar, mentiras. Mas a Camila Vallejo apareceu em todo o mundo como a figura do movimento estudantil, e de fato era a que mais aparecia na mídia, mas isso não expressa como eram as coisas por lá, pois ela e o Partido Comunista da qual faz parte foram traidores da luta, e por isso são rechaçados massivamente em todo o país. Isso se demonstrou inclusive nas eleições estudantis no fim do ano, quando a Camila Vallejo sequer ganhou as eleições do DCE da Universidade do Chile, da qual faz parte, assim como o PC foi amplamente derrotado em várias universidades, inclusive na própria USACH onde eu estudo jornalismo.

Juventude às Ruas: Quais são as principais questões que você pensa em compartilhar por aqui?

É difícil resumir assim, o melhor mesmo será nas atividades que queria convidar a todos para que venham. Mas uma das coisas que vou querer explicar é porque foi um movimento tão massivo, tão profundo e que marcou tanto todo o povo chileno. O Chile não é mais o mesmo depois dessa luta. Quero que as pessoas entendam porque somos conhecidos como a “geração sem medo”. O Chile tem um regime e um governo ultra-repressivo e anti-democrático, herdeiro direto da ditadura pinochetista que deixou heranças nefastas até hoje. Combinou-se o problema de que os estudantes e famílias de todo o país não aguentam mais pagar universidades tão caras (aqui não há mais universidade gratuita desde a ditadura), com um ódio acumulado contra esse regime que para a juventude só deixa a repressão. Foi esse ódio acumulado que fez com que não somente saíssemos massivamente às ruas, mas ocupássemos as universidades e nos enfrentássemos sempre com a polícia que queria impedir nossas manifestações. 

Também quero explicar como era as discussões dentro do movimento estudantil, porque aqui eu imagino que sabe-se muito pouco, mas houve um enorme movimento anti-burocrático que questionou muitíssimo o PC, Camila Vallejo e Giorgio Jackson que foram as figuras que ficaram mais conhecidas. Principalmente entre os secundaristas o PC já não consegue controlar o movimento desde 2006, quando aconteceu o que ficou conhecida como a “Rebelião dos Pinguins”, mas também nas universidades o questionamento foi enorme, porque o PC dizia o que queria na mídia e não tinha nada a ver com o que votavam as assembleias. Essa é uma das principais lições que tiramos, que é necessário ter comandos de luta com delegados eleitos na base, como sei que vocês avançaram na USP e é importantíssimo. Pois só assim os estudantes podem decidir os rumos da luta democraticamente. Na minha universidade foi enorme o movimento anti-burocrático, mas o PC burocrateava de todas as maneiras tudo. Muita gente tirou a lição de que poderíamos ter vencido se tivéssemos varrido a burocracia estudantil, e por isso o PC saiu muito mal da luta, por exemplo na USACH eles dirigiam o DCE e agora foram derrotados fortemente nas eleições.

Juventude às Ruas: Conte-nos um pouco melhor o que aconteceu na USACH?

Para que se entenda porque foi justamente nesta universidade onde mais se avançou na luta contra a burocracia estudantil, é necessário entender que apesar de que a USACH é a segunda universidade mais importante do Chile, é onde também a maioria dos estudantes estuda com bolsas, então ela não é tão elitista como as outras. Somos todos jovens trabalhadores ou filhos de trabalhadores, então somos os que estamos mais cansados de ficar 10, 15 anos pagando a universidade depois que nos formamos, assim como nossas famílias, somos os que mais queremos educação gratuita, política que o PC sempre foi contra. 
Mesmo com um movimento que colocou nas ruas mais de 600 mil pessoas em todo o país, e imaginem que o Chile tem 15 milhões de habitantes, e com um amplíssimo setor na base querendo que a demanda fosse educação gratuita como piso mínimo, porque sentíamos a força que tínhamos, o PC se colocava contra. O PC e Camilo Ballesteros, que era o presidente do DCE se negavam a aceitar o mandato das assembleias e os estudantes se rebelaram, tornamos a vida da burocracia estudantil um inferno. Eles tinham até que trazer seguranças do PC para fazer as reuniões e partiam para a agressão física porque os estudantes não aguentavam mais. E todo este processo culminou nas eleições do DCE que aconteceram em janeiro, onde a chapa que nós do PTR organizamos com dezenas e dezenas de independentes ganhou mais de 2000 votos, enquanto o PC não chegou aos 1300 e nem puderam colocar Camilo Ballesteros como candidato de tão odiado que é hoje em dia. Infelizmente, não ganhamos o DCE porque houve uma aliança do Partido Socialista com estudantes de direita que mobilizaram massivamente todas as faculdades de engenharia para votarem em massa, e conquistaram 3000 votos. Mas a força do movimento anti-burocrático que surgiu aí é muito maior, e será uma gestão sem nenhum peso na base, enquanto a nossa chapa segue organizada em mais de 20 cursos. Foi uma vitória política importantíssima que deixou bases para seguir um movimento muito forte não somente dentro da USACH, mas junto aos milhares e milhares que em todo o país questionaram a burocracia estudantil e que não vão ficar passivos por muito tempo. O movimento estudantil chileno vai voltar a explodir, e este regime pinochetista não vai se sustentar. Nós concluímos que para conquistar algo, temos que lutar por tudo, e é esse o espírito que vai se expressar nas próximas batalhas.

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