terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Recado de dentro da fábrica pra Juventude às Ruas


por Doni, operário da indústria, militante da LER-QI


Ainda é bem cedo e já completo a primeira hora de produção (sem contar que estou acordado há 3h), com o corpo ainda se adaptando ao choque térmico (trabalho a 6ºC normalmente, mas quando começo a suar é que sinto um friozinho, porque o líquido gela na pele, mas depois acostuma), espirro, sinto os braços doendo e percebo que já estou cansado. Como serão as 8:30 restantes para bater o cartão?

As vezes o cansaço físico e mental dão as mãos, é foda. Esses dias vi dois moleques que só não se pegaram porque foram separados. Na hora me senti mal, sem entender por que chegavam a tanto, assim como outros casos de estranhamento entre companheiros. Hoje foi minha vez, deixei o palete no meio do caminho de propósito, só de raiva, afinal, "esses maluco sempre enrola pra pega essa porra!" Poderia ter alimentado uma briga com um colega de trabalho que também está se fodendo pra dar conta do serviço. Pedi desculpas.

Como esses desgraçados só conseguem ver o quanto essa máquina nova aumenta a produção, mas não vêem que o nosso corpo continua o mesmo? É preciso trabalhar feito louco o dia inteiro, mal conseguimos conversar. Você sente que está sendo devorado por essa máquina. Como dar conta desse ritmo de trabalho? O pior é que a gente dá.

É preciso saber exatamente o que está fazendo, para conseguir continuar fazendo.
Então me lembro que hoje não é um dia normal, hoje teve panfletagem!

Assim que sentei na mesa do café, revoltado porque a panfletagem estava atrasada, logo veio um rapaz com o Boletim Classista enrolado na mão. Ele sentou próximo, junto com uma menina, abriu o material sobre a mesa e ela me perguntou, "vc viu? acabaram com os donos da fábrica, chamaram até de miseráveis!, quando cheguei não tavam lá…" No corredor vi uma senhora lendo andando e quando desci pra linha o Alam estava muito empolgado "passa na farinha depois que te passo meu." 

Na linha, Pedro, que leu e opinou previamente sobre o texto, contou que no vestiário ouviu várias conversas empolgadas sobre o material. Até o Billy, que estava meio distante, atravessou a linha inteira pra me contar que estavam falando muito do Boletim. O tiozinho das antigas pagando pau, dizendo que "é muito bom porque fala e explica pro povo que não tem estudo, que não entende o que tá acontecendo…"

Ufa!
Agora ganhei uma força infernal, trabalhei feito louco e comecei a discutir com Pedro o próximo passo, as possibilidades da repressão, etc. Ele quer que o próximo seja logo.

Quase no final do dia, um colega mais instruído comentou que não conseguiu pegar um "não achei, mas se eles estiverem lá na hora de saída eu quero pegar." Essa frase diz muito, pois se ele não encontrou o material jogado no chão ou no lixo, significa que a vida útil do Boletim será transcendente, pegará ônibus, trem, ocupará residências de operários, talvez seja debatido no jantar, com colegas de outras firmas, etc.

E ao final daquelas 8:30 que faltavam desde o momento em que pensei em escrever esse texto, quando o colega da frente na fila do ponto pega o papelzinho, eu olho sorrindo e digo "mais um que tá garantido!"
Esse é o meu recado pra galera da Juventude às Ruas.

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