quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Quem foi João para os professores da Rede Estadual de Ensino de São Paulo



Por Guilherme Soares, professor da rede pública estadual de ensino da Zona Norte de São Paulo

Para quem é professor da Rede Pública do Estado de São Paulo, a morte do João deveria ter tido um pouco mais de atenção.  A ideologia dominante educou os dominados a naturalizarem a pobreza, ou seja, se tornou algo banal para muitos passar na rua e ver um morador de rua deitado e nem minimante se perguntar: Por que este ser humano está na rua? Ou até mesmo: qual é a historia deste individuo que está nas ruas?

João foi um morador de rua que morreu na última semana de agosto e que viveu o resto de sua vida na Cidade Universitária. Ele, nos anos 70,  se formou na USP em Letras e começou a lecionar na rede pública de ensino do Estado de São Paulo.  Esteve à frente da greve de 2000 contra Mário Covas, do PSDB, onde ele e vários outros professores foram  demitidos pela greve e seus métodos de luta, como o acampamento em frente à Secretaria de Educação Estadual. A partir de então, a vida de João se degradou e, infelizmente, levou o fim que levou.

Primeiramente a sua vida se materializa, antes de mais nada, nas estatísticas de pessoas que não conseguem arrumar um emprego para poderem minimamente sobreviver neste sistema capitalista. Ao mesmo tempo, se materializa na ofensiva neoliberal que atacou os salários dos trabalhadores, as condições de trabalho e os direitos trabalhistas e sociais, mas também, por muitos anos, na subjetividade dos trabalhadores em que perderam confiança nas suas próprias forças. João se materializa também na política neoliberal em favorecimento dos setores privados em detrimento do setor público.

A morte do João é apenas um ponto para entendermos a educação pública do Estado de São Paulo, mas ao mesmo tempo a educação pública de todo o país.  Falta professores na rede pública por conta dos  baixos salários, os que estão na rede trabalham mais de duas escolas para poderem ter um salário minimamente digno e sobreviver. Para além disso, professores que têm de trabalhar com salas superlotadas e sem equipamento e com número insuficiente de escolas para cobrir a demanda.

A morte do João é um reflexo de uma política que fez milhares de pessoas abandonarem a rede pública do Estado de São Paulo. Como resposta à tal falta de professores, o Estado implementa a política que criou o professor categoria O. Este não consegue suprir a carência de professores da rede pública, ao mesmo tempo não possui direito à falta, usar o hospital público (IAMSPE) e no final do ano é abandonado pelo Estado para, no ano seguinte, enfrentar novamente as filas da atribuição (que na Zona Norte foram das 10 horas da manhã até as 5 da madrugada) para conseguir o seu ganha pão do ano.

Falta de direitos, baixos salários, desemprego, péssimas condições de trabalho é o receituário neoliberal para a educação, que foi aplicado à risca pelos Estados. E uma das coisas que não podem faltar nesse receituário é a política de divisão da classe, a qual se refletiu em nossa categoria. O governo dividiu os professores entre os efetivos, os estáveis e os professores categoria O, e com as derrotas da categoria, provocadas pela burocracia sindical da Articulação, que desmoralizou a categoria docente estadual.

     A morte do João questiona a burocracia da APEOESP

João foi demitido, assim como outros professores que perderam seus empregos e aposentadorias. APEOESP, o maior sindicato da América Latina, fez absolutamente nada para tais professores demitidos, mas antes de que caiamos numa lógica antissindical (onde o senso comum prega que "o sindicato bota o trabalhador na linha de frente, mas na hora do vamos ver o deixa sozinho’’) temos que discutir o que é a burocratização dentro do sindicato.

A primeira reunião da diretoria estadual da APEOESP, após eleições sindicais, foi meramente para discutir os privilégios dos diretores. A APEOESP virou uma máquina de privilégios em que grande parte dos diretores têm uma vida totalmente distinta da que vive a categoria.  E quando existem privilégios, é bem comum cairmos na lógica do ‘’deixa cuidar do que é meu’’. E foi isso que aconteceu no caso de João, enquanto Bebel, o Felício e toda a burocracia estão cuidando "do que é seu", um professor que fazia parte da categoria e da classe trabalhadora morreu.

Tal burocratização do sindicato se deve ao atrelamento do sindicato ao Estado burguês, onde os "dirigentes da categoria" recebem inúmeros privilégios para servirem de correia de transmissão da burguesia dentro em meio aos trabalhadores. As reformas dentro da época imperialista só podem vir através de migalhas para os trabalhadores, prova disso é a política de bônus para a categoria.

A categoria dos professores protagonizou uma importante greve em 2000 e o seu principal obstáculo foi a direção da APEOESP. A partir de então, aconteceu uma imensa desmoralização dentro da categoria, e os professores passaram a não ter o mesmo poder de reação como tiveram naquela greve. É preciso que nossa categoria ande em conjunto com o espírito de junho e dos garis do Rio de Janeiro, o qual mostrou que a luta é a saída para as mazelas do capitalismo. Mas para isso é preciso que os professores recuperem a APEOESP e retomem seus métodos de auto-organização. Assim, conquistaremos nossas demandas e reverteremos essa situação.

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