quarta-feira, 20 de maio de 2015

Quem são nossos inimigos? Quais são suas armas e como nos atacam?


Juventude Às Ruas USP

            Estamos em meio a uma grande crise que se expressa nos campos econômico, político, ideológico e que apresenta à juventude de todo o mundo uma perspectiva nada agradável para o futuro. As certezas que existiam na Europa, por exemplo, com as políticas de bem-estar social já desmoronaram de todo. As promessas dos governos populistas de toda a América Latina se provaram grandes ilusões e já não convencem setores massivos que se enfrentam fortemente com os aparatos repressores em todo o continente. No Brasil, a idealização do ‘país do futuro’ caiu por terra e todos os falsos avanços dos anos de governo PT se chocaram com os limites impostos pelos interesses do Capital. Em todo o mundo crescem assustadoramente os índices de violência, principalmente ligados à repressão a movimentos sociais e às opressões, em um claro avanço de ideologias conservadoras.

A crise de representatividade

            O Brasil viveu um momento singular de lutas em junho de 2013, com as ruas sendo tomadas por milhões em todo o país. As revoltas, cujo estopim foi a questão da tarifa do transporte público, se mostraram grandes desfiles heterogêneos de indignações de uma juventude que assiste aos seus poucos direitos serem retirados, sofre com a precariedade dos serviços públicos e sente no bolso os efeitos de uma crise econômica mundial, ao mesmo tempo em que vê grandes escândalos de corrupção ocorrerem sem que a casta privilegiada de políticos sofra qualquer tipo de represália. Com gritos dos mais diversos presos na garganta, milhões de jovens reencontraram na ação coletiva um espaço para que sua voz fosse ouvida.

            A partir das Jornadas de Junho e dos seus ecos no país a ideia de uma crise de representatividade se escancarou. Talvez a única linha que realmente tenha perpassado todas as vozes de junho seja a descrença naquilo que está posto, a compreensão de que a política, no sentido mais corriqueiro do termo, da forma como se faz hoje não dá conta de atender às necessidades da população e que quando falta de um lado, sobra de outro.

            O mote “não me representa” apareceu e aparece na maioria das campanhas por demandas dos mais diversos tipos, principalmente no que tange a questões tabu, defendidas a unhas e dentes pelos setores mais conservadores da sociedade – como é o caso de políticos extremamente reacionários com grande destaque na mídia, como Jair Bolsonaro e afins, defendendo políticas opressoras e violentas. Em consequência, aos poucos foram surgindo as respostas pela positiva, elevando determinadas pessoas a símbolos de lutas. É o caso de algumas figuras públicas de posicionamento mais à esquerda e também com certo destaque midiático, apesar de muitas vezes levantarem bandeiras que ficam aquém da necessidade real da população e que não têm condições de atingir, ou sequer discutem, as reais causas dos problemas, como ocorre com o Deputado Jean Willys, do PSOL. Indo um pouco mais além, percebe-se o aumento de campanhas que se articulam em volta da ideia do “somos todos...”, em um movimento de ocupar simbolicamente o espaço vazio deixado por esse regime cuja representatividade está sendo posta em xeque – campanhas que podem causar enormes polêmicas, como no caso do atentado ao Charlie Hebdo, já que se trata realmente de uma disputa sobre qual o caráter da mudança que deve ser feita em relação a esse regime que se critica.

            A grande questão, no entanto, é: que representatividade é essa que está sendo questionada, quem a questiona e quem ocupa o espaço dessa representação? Não à toa esse debate não está na mídia que alardeia a tal crise. Não interessa a ela dissecar o regime para que compreendamos de fato quem são os sujeitos políticos envolvidos no processo, muito menos assumir que a crise, mais do que de representatividade, é de regime. Mas essas relações não são abstratas e a indignação que levou milhões às ruas, ainda que por pautas diversificadas, não foi uma coincidência ou um surto coletivo de subjetividades.

A democracia dos ricos não nos representa

            A descrença total na casta dos políticos pela compreensão acertada de que estes são privilegiados em detrimento da esmagadora maioria da população e de que governam para os próprios interesses é uma constante em todo o mundo, mas os levantes que a tomam como premissa não têm dado conta de alcançar suas reivindicações. Isso se dá porque toda a crítica tem sido direcionada aos políticos profissionais, ignorando que estes governam seguindo determinadas regras.

Retomando Marx, “O poder do Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.”[1] Ou seja, este Estado que hoje está posto em todo o mundo é um grande balcão de negócios para a burguesia e responde aos interesses dessa classe, e não de outra, consciente e atentamente, sempre disposto a alterar as suas formas de maneira a garantir a sempre crescente exploração sobre a classe trabalhadora. A essas formas chamamos regimes – democracias, ditaduras, monarquias -, e todas as diferenças que existem entre eles respondem às necessidades momentâneas do capitalismo de flexibilizar as próprias dinâmicas para garantir a exploração. Em outras palavras, são diferentes aspectos da mesma ditadura do capital sobre os trabalhadores, que se utiliza de aparatos como as forças armadas e polícias, a justiça, a Igreja, a mídia e toda sorte de instituições para garantir a dominação burguesa.

O Brasil vive a sua fase mais duradora sob um regime “democrático”. Este chega ao Brasil e ao resto da América Latina como instrumento para uma ofensiva neoliberal sobre esses países. Ou seja, a implementação de uma dita “democracia” se dá por interesse da burguesia em um Estado que intervenha cada vez menos na economia, mas que garanta o direito à propriedade de modo a garantir o livre mercado, e que possa utilizar, ou melhor, utilize por via de regra os seus aparatos repressores para conter toda e qualquer tentativa de desvio da ordem.

Tomando como exemplo a postura do PT diante do ascenso operário das décadas de 70-80, que teve seu caráter bastante desviado pela separação das lutas econômicas e políticas que criaram o melhor cenário para o neoliberalismo se firmar na década de 90, vemos como a democracia burguesa se dá, necessariamente, na contramão dos interesses da classe trabalhadora. Para se firmar como alternativa eleitoral dentro do regime, o PT teve de incentivar fortemente e com êxito a conciliação de classes, enfraquecendo a organização pelas bases e tirando do horizonte a perspectiva revolucionária – o que ecoa ainda hoje. Os únicos beneficiados por esse movimento, obviamente, são os burgueses que conseguem avançar no seu projeto de superexploração.

Para além da dominação econômica, a dominação ideológica é fortíssima, e nisso a democracia burguesa é muito eficiente. Mascarado pela ideia de liberdade de expressão, igualdade legal, direitos civis, concessões dadas a partir de pressão de mobilizações pontuais e o próprio processo eleitoral, onde grande parte da população efetivamente vota a cada dois anos, esse regime em nada é democrático. Os representantes escolhidos “pelo povo” governam, não para quem os elegeu, mas para os donos do capital. Nessa “democracia”, a política econômica fica a cargo de funcionários de confiança de empresários e banqueiros, já que não há nenhum tipo de eleição para definir quem vai gerir instituições como o Banco Central ou a Receita Federal, por exemplo. O orçamento público não é debatido a fundo no parlamento e não está nas mãos do povo decidir se quase metade dele realmente deve ser utilizado para o pagamento de dívidas interna e externa. O parlamento brasileiro é caríssimo, redundante e não há nenhum esforço em se esconder a aviltante lista de privilégios dos parlamentares, desde salários absurdamente altos (que os próprios têm direito legal de aumentar) a benefícios de todo tipo, e isso pensando apenas naquilo que está dentro da lei – cuja maior parte é elaborada, não pelo legislativo, mas pelo executivo.

A formação do parlamento é outra farsa da democracia burguesa. Apesar de existir a possibilidade teórica de um partido organizado desde as bases conseguir eleger parlamentares que exercessem seus mandatos em defesa da classe trabalhadora e com a perspectiva de denunciar o jogo de interesses burgueses, a realidade torna essa situação praticamente impossível de acontecer. A disputa com os partidos da ordem dentro dos meandros do regime é impraticável para um partido realmente comprometido com os interesses dos trabalhadores e com independência financeira, já que este é um jogo que envolve milhões – fora a visível disparidade entre, por exemplo, o alcance e o tempo da propaganda eleitoral entre partidos “grandes”, ou melhor, altamente comprometidos com os interesses burgueses, e “pequenos”, dentre eles os partidos da esquerda tradicional, como o PSTU.

Esse regime “democrático” também se apoia nos aparatos judicial e policial, além do parlamento, para manter a dominação burguesa. O dito “país da impunidade” só permite que saiam impunes os privilegiados; ao setor mais pobre, e principalmente negro, da população a lei é aplicada duramente, superlotando os presídios (sendo que boa parte da população carcerária já cumpriu toda a sua pena ou sequer foi julgada), matando cotidianamente nas periferias em nome de uma pretensa “guerra às drogas” e, agora, desejando encarcerar adolescentes de 16 anos por meio da aprovação da redução da maioridade penal.

Todo esse quadro nos aponta claramente: a democracia em que vivemos é uma democracia dos ricos. Em nada nos beneficia, não porque ainda não é madura o suficiente, como tentam nos fazer pensar, mas porque nunca teve essa perspectiva. Ela surge e se articula unicamente para garantir uma maior exploração sobre a classe trabalhadora. A burguesia a defende não por ser uma classe “defensora da liberdade”, mas, pelo contrário, porque é a melhor maneira de seguir podando a liberdade da maioria esmagadora da humanidade e de seguir espoliando aqueles que tudo produzem no mundo e que nada possuem além de sua força de trabalho, cuja venda está diretamente relacionada à sua existência em meio à ditadura do capital. Ao menor sinal de que não há mais para onde expandir seus lucros dentro desse regime, os burgueses não terão pudor algum em destruir a dita “democracia” que construíram.

Por uma juventude revolucionária

            A juventude deve se colocar à disposição das fortes lutas que se apresentam e se apresentarão. E para essas lutas serem efetivamente vitoriosas é preciso ter clareza: não devemos ter nenhuma confiança nos governos, sejam eles assumidamente reacionários, sejam os travestidos de “populares”, que se utilizam hipocritamente de um discurso de “mal menor” quando implementam ataques dantescos à classe trabalhadora e à juventude. Dos partidos da ordem nada podemos esperar, e não virá de nenhum deles uma “nova política”. A pretensa polarização que hoje se apresenta no país é uma falácia: governam todos em prol da burguesia e seus interesses, e a disputa é apenas entre quais serão os agentes dos ataques – eles virão independentemente da sigla que os acompanhe. O rechaço à corrupção e aos corruptos não pode abrir espaço para que se deposite qualquer tipo de esperança em outros atores do mesmo teatro burguês.

             Por dentro da democracia burguesa a juventude e a classe trabalhadora não encontrarão nenhum espaço para melhoria efetiva de suas condições de vida. Qualquer aparente avanço que possa ser arrancado com muita luta gerará alguma perda em outro canto. Também não há nenhuma vitória efetiva que a juventude possa alcançar sozinha: sem se aliar à classe operária em nada avançaremos. O sistema que nos nega direitos básicos tem como premissa o lucro sempre crescente, e isso se dá por meio de uma exploração cada vez maior daqueles que tudo produzem. O sujeito da transformação radical desta sociedade é a classe trabalhadora, e a juventude que deseja essa transformação deve construir uma forte aliança com ela.

            As Jornadas de Junho nos dão uma lição: a juventude tem, sim, força e vontade para se levantar. Mas se levantar, apenas, não basta, é preciso ter um programa que oriente essa luta: um programa revolucionário. As soluções para os problemas que se apresentam e nos indignam não existem dentro do sistema capitalista; é preciso lutar pela derrubada violenta das condições sociais existentes. E pra isso é preciso que a juventude, aliada fortemente com a classe trabalhadora, tome para si a convicção e a ambição que Trotsky tão brilhantemente nos colocou: “A vida é bela. Que as futuras gerações a livrem de todo mal e opressão, e possam desfrutá-la em toda sua plenitude.”



[1] MARX e ENGELS. “Manifesto Comunista”, São Paulo: Boitempo, 2010. In: LANFREDI, Leandro. Apontamentos para avançar da crítica aos “políticos” à crítica da democracia dos ricos. Luta de Classes – Revista de política e cultura, no2, 2014.

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