O sistema
capitalista que dominou o mundo nos últimos séculos demonstrou que é totalmente
incapaz de aplicar os pontos de propaganda ideológica que defendia na Revolução
Francesa. Naquele momento, levou os trabalhadores às armas pelas consignas de
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Mesmo nos países mais avançados do
globo, com economias fortes e “consolidadas”, é possível ver que a liberdade
não é para todos; que não há igualdade entre homens e mulheres, negros e
brancos, jovens e idosos; que a fraternidade é apenas um jogo de elite, onde os
ricos são fraternos e se protegem da crise, mas que não veem nos trabalhadores
irmãos, e por isso desferem duros ataques, torturam, jogam à miséria, matam.
Com essa
propaganda, a burguesia fez os trabalhadores perceberem que não deveriam seguir
vivendo sob tamanha opressão da monarquia. Acontece que com a necessidade que o
capitalismo encontrou de ferir esses preceitos para poder manter seus lucros,
muitos trabalhadores em todo o mundo passaram a ter que lutar pela democracia contra
a burguesia, que passava a impor desigualdades de gênero, raciais, etc., para
conseguir manter seus altos lucros.
Essas questões
democráticas, por serem parte de uma desilusão com o projeto de mundo
burguês, são as principais questões que levam os trabalhadores, os pobres e a
juventude às ruas, pois somada a não existência está a ilusão de que é possível
dentro do capitalismo conquistar cada uma dessas demandas, como reforma
agrária, independência nacional, fim do racismo, eliminação das fronteiras.
A crise
econômica que vivemos hoje demonstra a profundidade que as questões
democráticas podem ter. Basta olhar para os países de economia mais potente,
como é o caso da França, e ver que cada uma das demandas democráticas
conquistadas pela população francesa vem sendo lentamente retiradas, pois ao
mesmo tempo em que são os bens mais caros para quem os conquistou, são também
caríssimos e inúteis para aqueles que determinam os rumos da sociedade. A
burguesia pode retirar direitos porque ela pode pagar pelos seus, e se o Estado
que ela administra gasta com isso, seus lucros tornam-se menores.
Em países
de economia mais fraca, como é o caso dos países do norte da África, as
questões democráticas mostram sua proporção revolucionária: o não direito ao
pão, somado a uma ditadura duríssima de mais de 30 anos, fez estourar o
processo revolucionário que massacra a ideia de que revoluções são coisa do
século passado.
As questões
democráticas, para os marxistas, são encaradas como a primeira parte de um
processo revolucionário e como demandas que, apesar de poderem ser conquistadas
no capitalismo, só podem ser mantidas e aprofundadas pela via do poder de uma
classe que não tenha interesse no lucro. É por isso que nós da Juventude às Ruas não reservamos nenhuma
ilusão de que é a burguesia o agente da democratização e, consequentemente, que
essas demandas não podem ser conquistadas, como cotidianamente é feito, pelo
reformismo, que nada faz além de escrever cartas e acreditar na vontade dos
parlamentos burgueses. A classe trabalhadora, junto à juventude, é a única
capaz de responder a essas questões, através de sua auto-organização e da
hegemonia operária, ou seja, da classe trabalhadora tomando como sua cada
reivindicação democrática colocada pelos setores mais oprimidos, sendo essas
demandas parte de seus estatutos sindicais, de suas greves, de seus apoios e,
principalmente, parte intrínseca de sua luta contra seus patrões.
A juventude
tem, assim, um duplo papel: ao mesmo tempo em que deve lutar duramente pela
manutenção e conquista de cada demanda democrática, deve também ser a defensora
da centralidade da classe operária, contra a visão difundida pelo mundo de que
essa classe não tem qualquer papel para a mudança da sociedade, quando na
verdade os trabalhadores são os únicos capazes de livrar a humanidade de todas
as opressões.
Nenhuma
confiança na burguesia, parasita de nosso trabalho! Pela hegemonia operária
sobre as questões democráticas! Por uma juventude em luta pela liberdade
nacional, sexual e racial, que lute ao lado da classe operária!
No caso do
Brasil, uma das questões democráticas fundamentais decorre da brutal opressão
histórica sobre a população negra que, desde a escravidão até os dias de hoje,
sempre foi elemento estruturante da formação do Estado brasileiro. Ontem pelo
açoite, hoje como mão-de-obra do trabalho precário, alvo das balas policiais,
maioria na população carcerária, analfabetos funcionais, sem terras no campo,
sem teto na cidade, a população negra carrega, na cor, nos traços e na condição
de vida, a memória da escravidão.
Em função
do modo subordinado da formação do Estado brasileiro às metrópoles coloniais, a
burguesia nacional brasileira sempre foi incapaz de desenvolver-se
independentemente do imperialismo inglês e português, cujos limites impostos
para o desenvolvimento nacional sempre foram aceitos pelas classes dominantes
brasileiras. Para fazer-se independente do imperialismo europeu seria preciso
entrar em guerra contra ele e, para isso, precisaria armar uma população que a
amedrontava e ameaçava constantemente.
Armar sua
população seria diretamente armar os negros que fizeram os maiores e mais
resistentes quilombos de todo o mundo, como o heroico Quilombo de Palmares.
Este durou mais de um século, se defendendo e derrotando militarmente uma série
de investidas do exército brasileiro. Para além de Palmares, foram os negros
aqueles revoltosos contra a vacina e a política higienista do inicio do séc.
XX, ou os que se rebelaram na Inconfidência Mineira. Para conter essa série de
revoltas, a elite brasileira necessitava recorrer à ajuda imperialista, o que a
marcou desde sua gestação: estar espremida entre forças tremendamente
antagônicas. Não à toa, essa história é escondida de todo pensamento
brasileiro, pois parte de impedir a revolta dos negros hoje é, por um lado,
fazê-los esquecer de sua história e de sua trajetória de luta e, por outro,
fazê-los acreditar que perderam sua identidade negra e, portanto, que Zumbi não
os representa.
A crença utópica e reacionária de que a burguesia poderia ter se
tornado potência carrega consigo a crença de que ela poderia e ainda pode
resolver os problemas democráticos que seguem relacionados à questão negra. Sua
dependência do imperialismo e sua fraqueza econômica impõem que a burguesia não
consiga até hoje resolver questões elementares que afligem a população negra. A
burguesia brasileira depende do trabalho precário para manter seus lucros;
depende das prisões e da violência policial para manter os negros sob seu
rígido controle social. Ou seja, abdicar dessas questões resultaria colocar
automaticamente em risco sua dominação de classe.
É preciso diferenciar aqui dois tipos fundamentais de demandas
democráticas. Existem aquelas que a burguesia, por conta de seu desenvolvimento
e reacionarismo consequente, foi e segue incapaz de solucionar e que seriam, de
acordo com sua propaganda iluminista, tarefas de uma revolução burguesa, que
como já dito anteriormente solucionaram-se apenas em alguns países centrais. A
essas chamamos de questões democráticas estruturais. São estruturais
porque implicam um choque na relação de classes, como no Brasil seria o caso da
reforma agrária e da violência policial. Existem outras demandas que
consideramos formais, ou seja, podem ser resolvidas por dentro do
capitalismo como concessão da burguesia a tensionamentos de classe, mas essas
demandas em si não alterariam a relação entre as classes diretamente, apesar de
a luta por elas e o debate político em torno delas poderem gerar um profundo
tensionamento entre as classes. No caso do Brasil, uma demanda democrática
formal para a questão negra seria a presença da história dos negros e de suas
lutas nas escolas e universidades. Tal demanda, apesar de não gerar uma mudança
na localização da burguesia e dos trabalhadores, não é implementada pelo risco
que há de que ela se ligue com questões estruturais, gerando um questionamento
do desemprego estrutural, da falta de moradias, do latifúndio, emendando essa
questão formal com uma luta estrutural contra a burguesia.
Em cada país do mundo essas demandas se dividem entre formais e
estruturais de maneira distinta, visto que tal categorização se refere
diretamente ao desenvolvimento econômico daquele país, sabendo que o que os faz
diferente é justamente o desenvolvimento do capitalismo a nível mundial, com os
diferentes imperialismos em disputa, impondo localizações subalternas a
diversas nacionalidades, sendo suas colônias ou semicolônias. Nestes, longe de solucionar
as questões democráticas, os capitalistas estabelecem um desenvolvimento
“desigual e combinado”, onde junto às mais altas tecnologias da indústria estão
as mais precárias condições de vida. Com essa discussão é fácil ver que a
principal tarefa dos revolucionários é retomar a relação perdida pela esquerda
entre demandas formais e estruturais, e a necessidade de que essa conexão se
eleve ao nível da luta contra o capitalismo e a parasitagem da burguesia sobre
os trabalhadores, negros e brancos.
A Juventude às Ruas, diferente do reformismo do PT e do PSOL que
reservam à questão negra a política de mendigar migalhas para os governos
burgueses; diferente de correntes como o PSTU que se adaptam ao programa que o
reformismo reivindica para a questão negra e não constrói nenhum programa que
vá além das migalhas; entendemos que a questão negra é a questão chave da
revolução brasileira e que, entendida como tal, deve ser tomada por todos os
sindicatos e entidades estudantis como seu próprio programa, que não deve ser a
triste adaptação às migalhas e às ilusões na burguesia, mas nas demandas que de
fato resgatam os direitos universais, que reparam historicamente, que colocam
os negros, trabalhadores ou não, em enfrentamento direto com a burguesia!
Pela democratização de todo o sistema educacional,
com escolas e universidades públicas, gratuitas e de qualidade para todos!
Pelo fim do vestibular e estatização das
universidades privadas sem indenização aos capitalistas da educação!
Por currículos formulados de maneira democrática,
com direito de decisão de toda a população, para que atenda as necessidades de
saneamento, moradia, saúde, educação e trabalho de toda a população pobre e
trabalhadora!
Pela reforma agrária e urbana com planos de obras
elaborados e discutidos pelos movimentos sem terra e sem teto!
Pela
legalização das terras quilombolas!
* texto extraído da Revista Manifesto Por Uma Juventude Revolucionária lançado em março de 2013.
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