por Fernanda Montagner
“Aqueles que fazem revoluções pela metade cavam uma cova”, frase do maio de ’68
“Estudantes em apoio aos trabalhadores de Lear”, esta frase esteve
estampada pela manha desta quarta-feira (27/08) nos jornais da
Argentina. Mais do que uma frase de impacto para a mídia, essa frase
consegue expressar o que há de mais profundo nas experiências históricas
de luta dos estudantes.
Com muita originalidade, os estudantes
da UBA (Universidade de Buenos Aires) fizeram mais uma ação de
solidariedade e luta pela reincorporarão dos trabalhadores demitidos da
empresa Lear, parando uma das principais rodovias da Zona Norte de
Buenos Aires, a Panamericana, no quilômetro que fica em frente a
empresa. Desde o início da luta, a policia vem tentando impedir ações
dos estudantes e trabalhadores, chegando em momentos a prender
trabalhadores e reprimir as manifestações Estes estudantes junto aos
trabalhadores vêm de forma cada vez mais original resistindo e burlando a
tentativa do governo de calar essa luta. Chegaram a por em marcha as
“caravanas solidárias”, paralisando com uma frota de veículos o
trânsito, deixando a polícia impotente para impedir o engarrafamento. Em
novo exemplo, desta vez vieram em ônibus escolares insuspeitos, parando
de supetão na via e iniciando o ato. O interessante foi que em mais uma
tentativa de repressão policial (dando 10 minutos para que saíssem da
via, mesmo com os estudantes e trabalhadores propondo deixar 2 vias
abertas para os carros), a policia teve que engolir seco suas ameaças e
recuar, não porque ela tenha refletido ou diminuído sua truculência, mas
porque a atuação organizada dos estudantes levantando demandas
populares (“Famílias na rua, nunca mais!”, dialogando com as demissões
em todo o país), num momento onde o governo argentino se vê fragilizado
em meio a pressão das empresas imperialistas por um lado.
Essa foi mais uma ação no conjunto
de muitas outras que mostram que os estudantes podem cumprir um papel
fundamental de ser um sujeito que pauta as discussões nacionais, ao
passo que se unifiquem e levantem as demandas populares e dos
trabalhadores.
Se os “de cima” nos forçam a ignorância, nós pelo contrário queremos reeditar a história daqueles que ousaram desafiar o poder.
As classes dominantes fazem questão
de apagar da história, ou mesmo suavizar os fatos segundos seus
interesses, para que não existam novos “escravos insurretos que se
apoderando da história, utilizando-a como arma”. Nessa lógica
transformaram o marxismo num método de análise estética, e grandes
acontecimentos que questionaram o regime de dominação de classes, como o
Maio francês de 1968, quase um romance de jovens que queriam mais amor e
paz. Estes eventos na Argentina nos movem a tentar recuperar “conteúdo e
métodos” com os quais a juventude foi protagonista destes grandes
acontecimentos, querendo reeditar alguns aspectos desta experiência de
’68 que mostram como os estudantes e trabalhadores juntos puderam
desafiar o poder (considerando com cuidado a analogia, já que a etapa de
processos revolucionários aberta em ’68 não tem paralelo hoje, e a
politização e radicalização à esquerda de setores estudantis citados no
exemplo argentino se liga a uma clara estratégia revolucionária, como em
boa parte inexistia na França).
Passadas duas décadas após o final
da Segunda Guerra o movimento desatado em ‘68 foi capaz de questionar a
ordem estabelecida após os acordos de Yalta e Potsdam. Essa força passa
pela unidade entre trabalhadores e estudantes no sentido de estes
últimos entenderem a necessidade de se ligarem aos trabalhadores como
sujeitos capazes de fazer a revolução, levantando as demandas operárias e
populares. E os trabalhadores verem que para lutarem contra a
exploração do trabalho é necessário se ligar aos setores populares.
Essa ligação foi fundamental na
época, e continua sendo hoje. Um segundo ponto fundamental era, e
continua sendo hoje, forjar um movimento estudantil que rompa o
corporativismo e seja um ator nacional. Em ‘68 os estudantes foram os
precursores das grandes ondas de greve que se desenrolaram, porque
conseguiram expressar boa parte dos descontentamentos populares que
haviam nas camadas populares da época, e elevando a um patamar político:
a luta anti imperialista com o rechaço ao Estados Unidos na guerra do
Vietnam (contemporâneo a isso ocorria no Oriente Médio a Guerra dos Seis
Dias, em que os países árabes se voltaram contra o estado colonialista
de Israel); o questionamento ao aparato contrarrevolucionário stalinista
(que buscava enterrar processos revolucionários na França e em todo o
mundo) e por fim um questionamento mais amplo do capitalismo como
sistema em putrefação.
“Por um lado o Maio Francês se
baseava na ‘critica artística’ e em uma ‘critica social’ do capitalismo,
quer dizer em uma crítica à alienação e ao fetichismo que gera o
sistema de exploração capitalista tanto como uma crítica às injustiças
sociais e às desigualdades profundas nas quais se baseia o mesmo sistema
[...] o maio francês estava vinculado a um tripé de questionamento: um
questionamento aos mecanismos de exploração capitalista partindo da
ordem fabril; um questionamento da sangrenta dominação imperialista
começando por uma oposição ao intervencionismo norteamericano no Vietnã;
um questionamento dos agentes da burguesia no seio do movimento
operário que advogavam a favor do reformismo e da conciliação de
classes, começando pelo aparato stalinista” (p. 38)
Esses três pontos levantavam boa parte
de demandas populares (devido ao primeiro ascenso operário do
pós-Segunda Guerra), que tocava também o questionamento da Universidade,
com a histórica consigna “questionando a universidade de classes para
questionar a sociedade de classes”, o movimento estudantil organizado
conseguiu a partir dos seus métodos despertar a sociedade e causar uma
crise política. Esse processo nos deixou importantes lições como a
necessidade de um movimento estudantil ligado aos trabalhadores e que
levante as demandas de toda a população. Contudo, ocorria numa época em
que as revoluções ainda eram vivas no imaginário[1], em que a idéia de
comunismo ainda era presente (ainda que deformada pela noção de que a
URSS “vivia o comunismo”), e a luta anti burocrática clara para combater
o enorme aparato stalinista, que atuou durante todo o processo para
dividir os estudantes dos trabalhadores (e que já vinha de um desgaste
com a repressão duríssima a revolução Húngara e a coexistência pacifica
com o imperialismo). Mesmo depois desta grande energia por parte da
juventude e dos trabalhadores, sem uma organização revolucionária que
reunisse essas forças no caminho de uma estratégia pela tomada do poder,
este levante acabou sendo traído e derrotado. Sem entrar nas polêmicas
e/ou debilidades do processo, hoje vivemos outro momento histórico, onde
queremos resgatar os melhores fios de continuidade dessa luta,
assimilando seus acertos e superando esta experiência.
O novo despertar da juventude
Se atualmente o comunismo não é
presente na mente da pessoas, vivemos desde 2010 um estourar de
movimentos de juventude pelo mundo que se assemelharam, no sentido da
extensão, ao maio de ‘68 francês (quanto ao conteúdo, assemelha-se mais
ao movimento “no-global” inaugurado em 1999 em Seattle, em
oposição ao capital financeiro e banhado na ideologia autonomista, do
que ao maio francês). Estes movimentos foram inspirados no impulso da
chamada “primavera árabe” de 2011, que do ponto de vista da luta de
classes poderíamos considerar como o “fim de ciclo” da recuperação
capitalista depois da derrota dos processos de 1968. E novamente quem
esta prenunciando e expressando os descontentamentos populares é a
juventude, nos movimentos YoSoy132 (México), Ocuppy Wall Street (EUA),
15M (Espanha), estudantes chilenos e junho no Brasil. Esses movimentos,
para além de suas distinções, carregam todos as pressões de mais de 30
anos de democracia burguesa e ofensiva neoliberal, fruto da derrota das
maiores conquistas dos trabalhadores como a queda da URSS, e da campanha
do imperialismo “triunfante” acerca da centralidade do indivíduo em
contraposição ao social (demonizando as organizações e partidos de
esquerda como “filhos do totalitarismo”, e reservando os instintos de
organização para os partidos tradicionais do regime burguês), em que se
decretava o suposto fim da classe operária e da organização do movimento
operário e estudantil para a luta de classes – o que se projetou na
esfera ideológica, com o protagonismo das ideias autonomistas
(absolutamente incapazes de responder aos desafios da crise, como no
Estado espanhol, na Grécia e inúmeros exemplos).
É desta tradição “produto da derrota” que devemos livrar a mentalidade da juventude. Os exemplos que vimos essa semana do movimento estudantil na Argentina tem muito da atuação do PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas, organização irmã da LER-QI na Argentina) dentro das entidades estudantis, buscando forjar uma nova concepção de entidades. Este último ponto é fundamental para pensar a organização da juventude atualmente, ligado aos dois pontos retomados de ’68: a necessidade de tomar as entidades para que sejam instrumentos democráticos e de luta dos estudantes. Na Argentina, viemos organizando ações desde assembleias estudantis para organizar os estudantes a se solidarizarem com o conflito das demissões de Lear e Donnelley, como na luta por colocar o conhecimento da Universidade a serviço dos trabalhadores, mostrar solidariedade ativa organizando os estudantes de diversos cursos para colocar seu conhecimento a serviço de uma das principais lutas do país, a ocupação de Donnelley.
De maio a junho
Esses exemplos fazem parte de uma
nova concepção de atuação nas entidades e de organização da juventude.
No Brasil após Junho um dos principais balanços foi a falta de
organização dos que saiam as ruas, e a separação da concepção
autonomista de qualquer intervenção em comum na luta de classes dos
trabalhadores (em que os organismos aparecidos em junho auxiliaram as
grandes greves nacionais, para citar duas, dos metroviários de SP, e das
universidades estaduais paulistas, levantando novamente junto aos
trabalhadores as demandas da educação e do transporte público?). Os
instrumentos de organização como entidades estudantis, estão ou nas mãos
de direções governistas, ou da esquerda reformista/centrista, que não
consegue cumprir um papel que fuja a luta de script, ou seja, alguns
movimentos que se adaptam ao regime universitário se restringindo a
demandas no marco corporativista, educando um movimento estudantil
passivo e rotineiro que não busca ser sujeito político que pauta as
grandes questões nacionais, que junto as trabalhadores seja um empecilho
para as políticas dos governos (os aparatos “autonomistas” não estão
por fora desta lógica burocrática e reformista da política, basta ver o
MPL, que se negou a participar das mobilizações dos metroviários, e
dirigia-se a público em junho de 2013 dizendo representar pessoas que
nunca os tinham eleito ou mandatado). Essa concepção que em ultima
instância visa as eleições, ou seja, uma esquerda que se guia a ganhar
aparatos, espaços dentro do regime e onde cada vez mais são pressionadas
pelos limites da democracia burguesa, mostrou sua impotência para atuar
em Junho, e mesmo no maio operário vimos que o movimento estudantil não
conseguiu de conjunto ser um aliado estratégico dos trabalhadores em
luta.
Dentro dessa greve das três principais Universidades do estado de São Paulo, que já dura quase 100 dias, a principal entidade que organizou estudantes desde comandos e assembleias de base a se solidarizar e a atuar junto aos trabalhadores foi o Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH), de cuja direção a Juventude Às Ruas faz parte junto a estudantes independentes. Infelizmente outras entidades importantes como DCE da USP e UNICAMP pouco fizeram além de notas e do rotineirismo de sempre, sem organizar ampla solidariedade ativa entre os estudantes.
O CACH vem atuando junto aos
trabalhadores, organizando ônibus para os atos, como o do dia 14/08;
organizou debates como o repúdio ao título referendado pelo Conselho
Universitário da Unicamp ao ministro da Educação da ditadura, Jarbas
Passarinho, no sentido de combater a reitoria e emergir como um setor do
movimento estudantil que quer discutir e atuar frente as grandes
questões, usar da entidade como uma contra política à ideologia da
reitoria, disputar o conhecimento produzido na Universidade para
colocá-lo a serviço dos trabalhadores e da população, espelhando-se no
“conteúdo e métodos” de maio de ’68.
Por trás destes exemplos existe a
concretização da atividade de uma entidade militante.ara responder as
demandas de junho da crise de representatividade que se abriu, a
necessidade de resgatar os métodos democráticos de base, lutando por
entidades proporcionais nos centros estudantis é fundamental nesse
momento onde a juventude no Brasil precisa se testar na pratica com as
diversas concepções de direção que e existem e a partir disso tirar suas
próprias lições. Nesse sentido que atuamos, para fazer um movimento
estudantil democrático que levante as questões mais sentidas da
sociedade como acesso radical, onde todos os trabalhadores, os negros
possam estar na Universidade, onde seu conhecimento esteja a serviço da
população. A classe dominante deve novamente sentir que sob seus pés a
terra treme.
[1] A União Soviética, ainda que
enfraquecida e monstruosamente deformada pelo stalinismo, permanecia de
pé como uma grande conquista social do proletariado mundial; as
revoluções chinesa e cubana seguiam-se, respectivamente, em 1949 e 1959,
mesmo que dirigidas por setores da pequena burguesia e do stalinismo
que bloqueavam o caráter internacional destes processos.
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