por Mateus Pinho e André Bof
Aos operários, a
classe de quem um novo futuro depende, a História não negou as ferramentas para
a superação da burguesia, que hoje, como classe, leva a sociedade à catástrofe.
A cada combate e
greve se coloca a possibilidade de constituir uma verdadeira “Escola de
guerra”, capaz de ensinar como vencer e ligar a história de cada luta com a
história de todas as lutas dos trabalhadores, apontando o caminho para uma nova
sociedade.
É neste espírito que
devemos encarar as lições deixadas a todos os trabalhadores pela Greve da USP e
seus heroicos exemplos operários.
Uma estratégia para vencer!
A greve dos
trabalhadores da USP durou 116 dias conseguindo importantes conquistas como o
reajuste salarial de 5,2%, contra os 0% que a REItoria buscava impor; abono de
28,6% referente ao reajuste desde maio, início da greve; nenhuma punição ou
corte de salários e uma conquista de que não pagarão o total de horas paradas;
a libertação do delegado do comando de greve, Fabio Hideki; além de adiar o
ataque da REItoria em desvincular o Hospital Universitário.
Além disto, no plano
da “consciência”, se consolida uma tradição de “combate de classe” que já era
marca dos trabalhadores da USP os quais, saindo de greve com os gritos de “Não
teve arrego”, após todas as experiências pelas quais passaram, são agora a
principal “pedra no sapato” contra os planos do PSDB e seu REItor Zago de
imporem seus projetos de privatização, como querem com a desvinculação do HU
(Hospital Universitário da USP) e HRAC (hospital de anomalias craniofaciais de
Bauru/USP).
Isto não se
conquistou por acaso. Os trabalhadores da USP, lado a lado de seus companheiros
na UNESP e Unicamp, cruzaram uma conjuntura dificílima, batendo de frente com a
suposta crise orçamentária que, segundo a REItoria, seria culpa de seus
salários.
Durante quatro meses,
se enfrentaram com o difícil momento da Copa do Mundo, as mentiras da imprensa,
a intransigência da REItoria, os ataques do governo Alckmin, a sabotagem dos
fura-greves, a repressão da Polícia, os desalojamentos de piquetes…
Ainda mais difícil se tornou sua situação frente ao duro ataque que o Governo Alckmin desferiu contra os metroviários, em junho, demitindo 42 para dar um exemplo de que em SP, diferente de como impuseram os garis do RJ, ia “ter arrego”.
Ainda mais difícil se tornou sua situação frente ao duro ataque que o Governo Alckmin desferiu contra os metroviários, em junho, demitindo 42 para dar um exemplo de que em SP, diferente de como impuseram os garis do RJ, ia “ter arrego”.
Em nenhum momento, no
entanto, perderam de vista sua estratégia para vencer: lutar, sim, por seus direitos
mais “sentidos” – salários, reajustes e benefícios – mas, sobretudo, tornar a
sua greve um verdadeiro “combate de classe”, que oponha os interesses dos
trabalhadores – não apenas da USP, mas de toda a cidade – aos interesses dos
empresários, donos de fundações, em suma, dos magnatas capitalistas.
Aliança com o povo trabalhador
Em sua greve, os
trabalhadores da USP buscaram demonstrar que os seus interesses são os mesmos
de todos os trabalhadores, não apenas levantando em suas pautas a construção de
hospitais na região do Butantã; a efetivação dos milhares de trabalhadores
terceirizados aos quadros da USP, fazendo atos contra as demissões destes, etc.
[1]
Deram, também,
exemplos concretos desta estratégia quando marcharam por horas até o hospital
das Clínicas de SP e doaram sangue, as centenas, ao escasso banco sanguíneo;
organizaram cortes de avenidas e atos de centenas no Metrô em solidariedade a
Greve de metroviários que ocorria às vésperas da Copa; percorreram com seu
carro de som a Zona Oeste e a favela São Remo exigindo mais UBS (unidades
básicas de saúde) para a região; denunciaram a hipocrisia do governo que
aumenta o salário do governador e parlamentares, enquanto o povo não tem água,
frente à crise hídrica em SP; ou quando, com o dinheiro arduamente arrecadado
para o fundo de greve doaram cestas básicas para os moradores da favela do
Piolho, vitimas de um incêndio criminoso.
Esta busca incessante
pela hegemonia operária, que atenda às demandas de todo o povo explorado na
sociedade não é um mero detalhe, em que as direções sindicais “podem ou não”
buscar para alcançar a vitória: esta busca é, pelo contrário, um movimento
essencial para que as greves vençam e extrapolem sua demanda “coorporativa”,
lutando pelas “causas populares” contra os exploradores, a fim de expressar que
são os trabalhadores, que tudo produzem, os únicos que podem responder às
demandas dos oprimidos.
Aliança com os estudantes
Os trabalhadores
buscaram, também, uma ofensiva aliança com os estudantes.
Apesar de toda a
passividade e ceticismo das correntes que dirigem o movimento estudantil –
PSOL, PSTU e correntes ligadas ao PT e Consulta Popular – que, nesta greve,
praticamente viram o “bonde da história” passar e não colocaram nela um décimo
da energia que colocam para suas eleições estudantis e parlamentares, ainda
assim, a aliança operária-estudantil mostrou sua importância.
Segundo pesquisa
recente, realizada por estudantes de engenharia, cerca de 77% dos estudantes
apoiavam a luta dos trabalhadores. Isto, igualmente, não é por acaso.
Ao longo de duas décadas, desde a
ditadura, diversos são os exemplos das vitórias e combates construídos por
trabalhadores e estudantes. Os trabalhadores, nesta greve, tornaram esta
história escrita em panfletos distribuídos aos milhares aos estudantes,
demonstrando as conquistas de contratação de professores, moradia, contra os
decretos privatizantes de Serra, por mais verbas a educação etc.
Buscaram a unidade de
ação com atos, cortes de rua, criando o “cantinho das crianças”, mantido
por estudantes e fundamental para que as trabalhadoras mães pudessem ser
sujeitas da greve, piquetes e debates buscando ligar o conteúdo aprendido
pelos estudantes com a realidade dos trabalhadores.
Demonstraram, assim,
como se dava a unidade contra o corte de verbas, que atinge tanto os salários
dos trabalhadores quanto as bolsas dos estudantes; contra os processos de
desvinculação dos hospitais e também contra as propostas de desvinculação da
permanência estudantil (moradia, bolsas auxilio, restaurantes universitários),
demonstrando como nos unificamos contra o projeto privatista para a
universidade. [2]
Para essa unidade se
efetivar, os trabalhadores contaram com a participação de grupos como a
Juventude Às Ruas e o Pão E Rosas, que, ainda que pequenos, demonstraram como
se organiza uma aliança na base da Universidade entre trabalhadores e
estudantes.
Uma organização democrática: O comando
de greve e as assembleias
Na contramão a toda
tradição sindical brasileira, consolidada pelo PT e sua CUT e reproduzida até
por setores da esquerda como PSOL e PSTU, uma das lições mais importantes desta
greve se refere a forma como os trabalhadores se organizaram para seguir sua
luta.
Nesta greve, os
trabalhadores mantiveram vivo o melhor da democracia operária, para que todo
trabalhador expressasse suas opiniões e se tornasse sujeito ativo dos rumos da
greve.
Todas as decisões
eram tomadas pelas reuniões de unidade e, sobretudo, pela assembleia geral,
órgão máximo de deliberação política da greve, nas quais qualquer trabalhador
podia propor e dizer o que quisesse.
Para colocar a direção da greve nas mãos de seus trabalhadores, foi criado o Comando de Greve dos Trabalhadores, com centenas de delegados, revogáveis a qualquer momento, eleitos pelas assembleias de base.
Para colocar a direção da greve nas mãos de seus trabalhadores, foi criado o Comando de Greve dos Trabalhadores, com centenas de delegados, revogáveis a qualquer momento, eleitos pelas assembleias de base.
Ao se formar o
comando de greve, a direção do SINTUSP – da qual a LER-QI faz parte como ala
minoritária e revolucionária – se “dilui” dentro do comando, igualando seus
membros da direção sindical aos delegados de greve e alçando o Comando como
direção da greve.
Este tipo de
“auto-organização” dos trabalhadores tem um sentido estratégico pois possibilita
seu desenvolvimento como sujeitos críticos e ativos da greve refletindo os
melhores passos, decidindo como responder rapidamente aos ataques, propondo
atividades, pensando os problemas da greve e levando-os para a base nas
unidades.
Em resumo, o Comando
consolida um espaço de formação e ação desta “escola de guerra”, possibilitando
surgirem novas camadas de dirigentes e ativistas no calor da luta e plantando o
“embrião” de uma nova sociedade, na qual os trabalhadores pensam a grande
política e são sujeitos de sua vida.
Salta aos olhos a
diferença com práticas sindicais das mafiosas Força Sindical e UGT, que disputa
eleições “na bala” e no espancamento, com as da CUT ou CTB, baseadas em impor
“figuras de burocratas”, que praticamente dão as ordens para as bases
“ignorantes” cumprirem passivamente ou, até mesmo, com a tradição expressa por
PSOL e PSTU, que restringe debates e falas, impede a formação de comandos de
greve impedindo a iniciativa da base e se mantém, no fundamental, baseada em
“figuras”- como é o caso de Altino dos metroviários- que ensinarão aos
trabalhadores, que “não gostam muito de discutir”, os caminhos a seguir.
Os trabalhadores em ação: “todas as
armas são boas na luta de classes”!
Esta greve trouxe
momentos históricos para a classe trabalhadora brasileira. Ao fechar os três
portões da Cidade Universitária por um dia todo, exigindo a libertação de Fábio
Hideki e confrontando a REItoria de Zago, os trabalhadores fizeram algo que não
acorria há anos, tendo Fábio Hideki sido liberado no mesmo dia depois de meses
preso e muitos atos em sua defesa.
Este tipo de ação
direta, para pressionar a burguesia, foi uma das armas mais eficazes de
luta dos trabalhadores, no entanto, não a única neste “combate de classe”.
Ao longo da greve,
estes entenderam que na luta de classes “todas as armas são boas”. Apesar de
também lutar através da justiça (burguesa) para, por meio de suas brechas,
colocarmos a REItoria, o governo e os patrões contra a parede e desmascarar
suas intenções, não incorreram no erro de acreditar que apenas por este meio,
ou por qualquer outra medida por dentro desta “democracia dos ricos”,
venceriam.
Lutando “com
inteligência”, aproveitando as declarações contraditórias dos membros da
Burocracia universitária, jogando-as contra a REItoria e aproveitando a divisão
no “campo do inimigo” (como o racha que a discussão do HU causou na
burocracia acadêmica), utilizando-se das ferramentas jurídicas e espaços
parlamentares, sem em nenhum momento enfraquecer a mobilização nas unidades, os
piquetes, atos de rua, a “ação direta” e debates na base, desnortearam a
REItoria e venceram.
Isto, no entanto,
também não foi por acaso. Só foi possível graças a uma combinação entre os
“novos e velhos lutadores”, na direção deste combate.
Uma tradição combativa e uma direção
revolucionária: os velhos e jovens lutadores!
Estes exemplos só se
tornaram realidade graças a um elemento fundamental em toda greve, combate e,
até mesmo, revolução. O papel da tradição e da direção.
Toda uma camada de
dirigentes, resistindo aos “anos de cão” do Neoliberalismo e, posteriormente,
aos “anos de submissão”, dos movimentos e sindicatos, ao PT no governo,
consolidou, ao longo dos anos, uma tradição que foi capaz de imprimir nos
trabalhadores a “força moral” que mostrou que , quando se luta,
independentemente dos patrões, é possível vencer.
Companheiros como
Brandão, Magno e Neli personificam esta tradição que alarma a burguesia,
assustada frente aos 380 dias de greve feitos em 10 anos. Estes, fundidos com o
melhor de uma camada surgida no calor da luta e organizada ao redor do Comando
de Greve, são como uma “espada forjada em brasa”, que continuará a tradição
exemplar dos operários da USP, combinando a tradição e ousadia.
Para vencer, no
entanto, não basta a “força moral”; é necessária, também, uma compreensão
estratégica de porque se luta, com quem se luta e com que meios se deve lutar.
Neste sentido,
cumpriu um papel central a intervenção revolucionária, como ala minoritária do
SINTUSP, dos militantes da LER-QI que, a cada passo, buscaram ligar a luta mais
imediata dos trabalhadores com a compreensão da necessidade de uma nova
sociedade e de uma ação plenamente independente dos trabalhadores.
Quando muitos teriam
desistido, insistiram que era possível vencer, desde que usassem todas as armas
disponíveis, reconhecessem os aliados e os inimigos e, acima de tudo,
confiassem apenas em suas próprias forças.
Recusando-se a iludir
os trabalhadores em busca de “atalhos”, não “embelezaram inimigos”, não
confundiram aliados, disseram apenas a verdade e fortaleceram a idéia de que
todo e cada operário pode dirigir sua greve, sua vida e até mesmo uma sociedade
a serviço de seus interesses.
Isto demonstrou a
diferença que faz um grupo que busca ligar o mais avançado da vanguarda com a
base, fazendo sua luta se chocar contra os patrões e o capitalismo de conjunto.
Por isso, também,
impulsionaram o Movimento Nossa Classe, junto de dezenas de trabalhadores, para
cumprir este papel de forjar uma nova camada de direção revolucionária na USP.
Um exemplo
emblemático está expresso no exemplo de democracia operária quando, num ato em
que aliados levaram uma bandeira pedindo a liberdade de José Dirceu e outros
“mensaleiros do PT”, abriu-se um importante debate sobre qual posição os
trabalhadores teriam frente aqueles corruptos burgueses. Neste caso, a pressão
fez com que se abaixasse a bandeira e os trabalhadores tiveram a clareza de que
não é de seu interesse prestar apoio aos patrões ou agentes destes.
Salta aos olhos aqui
também, as enormes diferenças com organizações de esquerda como o PSTU que,
utilizando o mesmo lema “Não tem arrego”, durante a greve do metrô, na qual
eram direção do sindicato, deram um sentido completamente distinto ao “lema”.
Colocando membros da
UGT, CUT, CTB, NCST e outras siglas sindicais ligadas aos patrões na negociação
com o Metrô; prometendo que, caso houvesse demissões, estas centrais fariam uma
greve geral; construindo a retirada quando a greve poderia impedir as demissões;
após as demissões, deixando tudo a cargo do “jurídico” e, durante a greve
construindo uma pauta e prática restrita aos interesses salariais e embelezando
a Justiça e tribunais, levaram a um setor importante da classe operária a
confusão sobre quem são seus aliados, como vencer e a ficar isolado frente aos
enormes recursos de repressão e intimidação que o Governo do PSDB tem em mãos.
A greve da USP deste
ano já ficou para a história do movimento operário brasileiro pelas vitórias
que obteve frente à dura intransigência e, principalmente, pelas lições que
deixa para todos os trabalhadores do país.
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