A crescente mobilização e a ampla indignação popular com o massacre de Ayotzinapa, recria o que vimos em outros momentos da história recente: frente aos ataque às liberdades democráticas, surge um profundo movimento na ruas.
Artigo de Pablo Oprinari em La Izquierda Diario
Existe
no México uma grande tradição de luta contra as atrocidades perpetradas pela
democracia dos ricos e poderosos. Em 1994, a ofensiva militar contra a revolta
indígena-campesina de Chiapas, despertou importantes ações nas cidades, que
rodearam de solidariedade o movimento encabeçado pelo Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLN). O ano de 1994 deixou uma profunda marca, e nos anos
seguintes se forjou uma nova geração de jovens.
Em
fevereiro de 2000, o governo acabou com uma greve de mais de 9 meses na UNAM
(Universidade Nacional Autônoma do México), com uma ocupação policial-militar.
Isso provocou uma mobilização que obrigou o Partido da Revolução Institucional
(PRI) a libertar os estudantes presos [1].
Mais
recentemente, no ano de 2006, ante a fraude que levou o conservador Felipe
Calderón a presidência, milhões se mobilizaram em todo o país durante semanas.
Isso fazia lembrar os massivos protestos que em 1988 surgiram com outra fraude,
naquele momento contra o candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD),
Cuauhtémoc Cárdenas. Além disso, a repressão selvagem aos professores de Oaxaca
em Junho desse ano abriu caminho para uma heroica luta de todo o povo desse
estado e ao surgimento da Comuna de Oaxaca.
Se
as décadas recentes do México estão marcadas pelos ataques às liberdades e
direitos mais elementares, também é um fato que vez ou outra emergem impetuosos
movimentos democráticos.
Esses
são motivados pelas aspirações de milhões cansados do autoritarismo. Mostram a
irrupção de novos setores populares, de trabalhadores e jovens, que rapidamente
os partidos do regime político tratam de conter.
Nos
anos recentes, a degradação das instituições chamadas “democráticas” se
expressou em uma “guerra às drogas”. A mesma gerou cerca de 200 mil mortos e
desaparecidos, a maioria trabalhadores, camponeses e estudantes, enquanto que o
Estado e as distintas facções de traficantes se mostraram em conluio de
múltiplas formas.
O
movimento atual se concentra em repúdio a esta “guerra às drogas” e a
indignação frente a um massacre cujas vítimas são reconhecidos ativistas
sociais: os estudantes normalistas, crucificados pelos meios de comunicação e
pelos poderosos. Mais uma vez, a luta democrática é a forma que assume, no
México, o descontentamento com as instituições responsáveis pela repressão e
pelas reformas estruturais.
Os
estudantes no centro do palco
Novamente,
nada cai do céu. Em 2012, o movimento #YoSoy132 (#EuSou132)
irrompeu no céu calmo e sinalizou que a juventude estudantil mexicana se
colocava em sintonia com o que se passava em outros lugares do mundo, desde o
mundo árabe até as ruas de Santiago no Chile. Surgiu em uma Universidade
Privada, como parte do repúdio a candidatura de Enrique Peña Nieto por parte do
PRI, e se estendeu às casas de estudo mais politizadas. O ano passado, depois
de uma selvagem repressão contra um acampamento de professores, milhares de
estudantes se organizaram em assembleias e se mobilizaram, abraçando com sua
solidariedade os professores reprimidos.
Atualmente,
milhares receberam os normalistas na Cidade Universitária e protagonizaram
ocupações e paralisações de suas escolas com uma demanda unificada [2]:
que apareçam já, com vida, os 43 normalistas desaparecidos de Ayotzinapa.
Muitos desses foram protagonistas das lutas mencionadas, outros tantos,
“meninos” e “meninas” de recente ingresso, que participam de sua primeira
paralisação, sua primeira ocupação, sua primeira mobilização. Isso, enquanto a
Politécnica, casa de estudo governada com mão de ferro pelo PRI e suas tropas
de choque, está parada por seus estudantes, um fato impensável meses atrás.
Uma
nova geração estudantil está emergindo no calor da luta contra os aspectos mais
bárbaros deste regime político. E o fazem com uma onda ao fundo de ampla e
profunda indignação que percorre o México e que está fazendo tremer os de cima.
A
primeira grande crise
Esta
é, sem dúvida, a primeira grande crise do governo de Enrique Peña Nieto [3],
que enfrenta a indignação popular frente uma “democracia” baseada na
militarização e na repressão aos opositores.
O
governo tentará evitar a escalada, buscando, possivelmente, que a culpa recaia
sobre o PRD, que governa o estado de Guerrero. No entanto, para além da
dinâmica imediata, o descrédito e a perda de legitimidade “democrática” do
governo e do regime político aparecem como algo difícil de superar, e requererá
toda a “engenharia política” de um governo que não atingiu nem dois anos.
Certamente,
as mobilizações atuais se potencializariam e a luta de classes se expressaria
em um nível superior se as organizações sindicais participassem das mesmas. O
movimento operário vem de duras derrotas prévias [4];
sem ir mais longe, a reforma energética passou sem uma paralisação nacional e
nem uma mobilização unificada das principais organizações operárias. E enquanto
as direções sindicais majoritárias não participaram das recentes ações por
Ayotzinapa, setores de professores e outros sindicatos começaram a juntar-se.
Enquanto
as organizações de trabalhadores não estão presentes, o movimento democrático e
os estudantes ocupam o proscênio, o centro do palco, repetindo a história de
outros episódios como os mencionados acima.
Há
um antes e um depois de Ayotzinapa. Cabe perguntar-se se este amplo movimento
conseguirá impactar e abrir o caminho para que setores importantes da classe
operária irrompam, com seus métodos de luta. Há que se apostar que irrompa em
toda sua potência, forte e profundo, o México.
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