texto escrito por Bruno Portela publicado originalmente no blog:
http://minhavidaealutadeclasses.blogspot.com/2014/09/queremos-justica-para-joao-antonio.html
em homenagem aos familiares e amigos de João
João Antônio Donati, jovem de família humilde, de 18 anos, foi encontrado morto nessa quarta-feira (10 de setembro) com a boca cheia de sacos plásticos e papeis, num terreno baldio da região metropolitana de Goiânia. Segundo a polícia, ele apresentava hematomas nos olhos e nariz, além de aparentemente estar com o pescoço e pernas quebradas. A polícia nega que em um dos papeis da sua boca havia um bilhete escrito "vamos acabar com essa praga".[1] Não importa. João era assumidamente gay, e ainda que a polícia não queira afirmar (como geralmente faz) que é um crime de homofobia, nós sabemos que foi, porque não foi a primeira vez que aconteceu algo desse tipo, inclusive dessa forma: homicídio carregado com tanta crueldade. O corpo de João foi enterrado nessa manhã, mas a tristeza de sua morte continua, assim como o ódio contra essa sociedade miserável em que vivemos. Sinto que com João, nós morremos um pouco, mas que por ele e por tantos outrxs violentadxs por essa sociedade, devemos seguir buscando justiça. Coloco aqui toda a minha solidariedade aos familiares e amigos de João, aos quais também dedico esse texto.
O assassinato de João acontece em meio a um
cenário contraditório, mas que é fundamental que seja analisado para que se
consiga dar uma resposta, não somente a esse caso, mas a todos os outros casos que
vêm acontecendo.
Nesse ano, a Anistia Internacional divulgou o resultado
de um estudo que mostra que há um grande aumento de casos de homofobia em nível
internacional, no entanto, o assessor de Direitos Humanos desta afirma que o
Brasil melhorou muito em termos de leis no que diz respeito à comunidade LGBT[2].
Ao mesmo tempo que esse tipo de lei “avança”, vemos contraditoriamente um
grande aumento nos registros de homicídios e agressões por motivação de
homo/lesbo/transfobia. É importante também visualizarmos a relação cada vez
mais ampla e intrínseca de setores religiosos e conservadores ao estado, como
aumento da bancada evangélica, financiamento milionário para garantir a vinda
do Papa Francisco I ao país na JMJ, acordos entre candidatos e seus partidos
com setores religiosos e etc. Esse é o plano de fundo em que acontece não só o
caso de João, mas também o de Kaique (que a polícia encerrou o caso dizendo que
foi um suicídio) e de diversos outros casos, evidenciando que nem as “melhorias”
pequenas, alcançadas aqui e ali questionam de fato não somente a homo/lesbo/transfobia,
mas toda a estrutura que a mantém com uma razão de ser.
Devemos entender que não é a toa que o PLC
122/06 que visa criminalizar a homofobia[3]
tramita há tantos anos na justiça e que o mesmo motivo que faz com que ele não seja aprovado
é o motivo pelo qual poderá leva-lo a ser “apenas” uma lei no papel, caso ele
seja aprovado em algum momento: o estado e suas instituições servem para manter
“as coisas como estão”, ainda que com discursos diferentes, “quem paga a banda
escolhe a música”, ou seja, os políticos e seus partidos, para se manter no
poder, fazem compromissos políticos com os setores conservadores e religiosos
em troca de financiamento para suas campanhas e projetos, logo, os mesmos nunca
irão afrontar os setores que os financiam, aliás, ao contrário, vão agir
conforme os interesses dos seus patrocinadores. Para além disso, a autonomia
sobre nossos corpos e nossas vidas, em diversos sentidos (seja com o direito de
escolha da mulher sobre a gravidez, a livre construção da identidade de gênero
do indivíduo, a liberdade para exercer sua orientação sexual etc), confronta
diretamente o princípio da família e da moral, essas que por sua vez são
ferramentas fundamentais para a manutenção da propriedade privada, uma das
bases da sociedade capitalista. O que quero dizer com tudo isso, é que não
basta lutarmos pela aprovação de leis que nos reconheçam esse ou aquele
direito, aliás, é perigoso que tenhamos ilusões no estado capitalista e suas
instituições (legislativo, executivo e judiciário, para além é claro da racista,
machista e homofóbica polícia), temos mesmo é que nos organizar conjuntamente e
entender que só através de uma luta incansável conseguiremos acabar com tudo
que nos oprime. O mesmo estado que nos nega nossos direitos, como no caso da
criminalização da homofobia, é o estado homofóbico que é conivente com as
agressões que sofremos, por exemplo, como quando muitxs de nós vão à delegacias
registrar B.O. e os policiais (civis e militares) fazem o possível para que
desistam das denúncias e nunca acham muito menos punem os agressores.
Os debates que vêm sendo abertos agora nesse
momento pré-eleições também nos coloca questões para se pensar em
relação à “comunidade
LGBT”, no sentido de pensar qual resposta e com qual estratégia podemos
seguir
na luta contra a homo/lesbo/transfobia. Os três candidatos “principais”
(Dilma,
Aécio e Marina) são financiados por empresas, empreiteiras e todos os
três têm
relações afinadas com comunidades religiosas e setores dos mais
conservadores, ligados por exemplo à ditadura militar. A única coisa que
os três
podem oferecer a nós é a certeza de que os nossos direitos serão
rifados, retirados e
reprimidos sempre que for necessário, basta vermos como tem
acontecido em diversos países da europa, onde os direitos das mulheres,
LGBTs e
outros setores (como imigrantes) vêm sofrendo duros ataques pelos
partidos que
assim como os de cá, são financiados pela burguesia. Mas para além
desses três
candidatos, entendendo que o próprio regime e suas estruturas estão
fundamentados no que há de mais conservador e reacionário, não podemos
nos
iludir que por meio desse regime, ou seja, da sociedade capitalista e
"democracia", poderemos conseguir nossa liberdade de construção da
sexualidade e de
gênero.
A
nossa miséria sexual anda de mãos dadas com
a sociedade capitalista, a sociedade dos exploradores e dos opressores,
portanto, não há alternativa ou estratégia para a nossa luta que não
passe pela
nossa união enquanto oprimidxs, se aliando com tantos outros setores
oprimidos
que sofrem com a miséria da nossa sociedade, mas principalmente se
aliando com
a classe que justamente é a única que pode se colocar radicalmente
contra os
exploradores e opressores porque é a única que têm interesses
inconciliáveis
com os mesmos: a classe trabalhadora. É essa a resposta que podemos e
devemos
dar, para que consigamos avançar na luta para que não haja mais casos
como os
de João.
[1] http://g1.globo.com/goias/noticia/2014/09/policia-acredita-que-jovem-gay-lutou-com-agressor-antes-de-ser-morto.html
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