Por Guilherme Soares, professor da rede pública estadual de ensino da Zona Norte de São Paulo
Para quem é professor da Rede Pública
do Estado de São Paulo, a morte do João deveria ter tido um pouco mais de
atenção. A ideologia dominante educou os dominados a naturalizarem a
pobreza, ou seja, se tornou algo banal para muitos passar na rua e ver um morador
de rua deitado e nem minimante se perguntar: Por que este ser humano está na
rua? Ou até mesmo: qual é a historia deste individuo que está nas ruas?
João foi um morador de rua que morreu
na última semana de agosto e que viveu o resto de sua vida na Cidade
Universitária. Ele, nos anos 70, se formou na USP em Letras e começou a
lecionar na rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Esteve à
frente da greve de 2000 contra Mário Covas, do PSDB, onde ele e vários outros
professores foram demitidos pela greve e seus métodos de luta, como o
acampamento em frente à Secretaria de Educação Estadual. A partir de então, a
vida de João se degradou e, infelizmente, levou o fim que levou.
Primeiramente a sua vida se
materializa, antes de mais nada, nas estatísticas de pessoas que não conseguem
arrumar um emprego para poderem minimamente sobreviver neste sistema
capitalista. Ao mesmo tempo, se materializa na ofensiva neoliberal que atacou
os salários dos trabalhadores, as condições de trabalho e os direitos
trabalhistas e sociais, mas também, por muitos anos, na subjetividade dos
trabalhadores em que perderam confiança nas suas próprias forças. João se
materializa também na política neoliberal em favorecimento dos setores privados
em detrimento do setor público.
A morte do João é apenas um ponto para
entendermos a educação pública do Estado de São Paulo, mas ao mesmo tempo a
educação pública de todo o país. Falta professores na rede pública por
conta dos baixos salários, os que estão na rede trabalham mais de duas
escolas para poderem ter um salário minimamente digno e sobreviver. Para além
disso, professores que têm de trabalhar com salas superlotadas e sem
equipamento e com número insuficiente de escolas para cobrir a demanda.
A morte do João é um reflexo de uma
política que fez milhares de pessoas abandonarem a rede pública do Estado de
São Paulo. Como resposta à tal falta de professores, o Estado implementa a
política que criou o professor categoria O. Este não consegue
suprir a carência de professores da rede pública, ao mesmo tempo não possui
direito à falta, usar o hospital público (IAMSPE) e no final do ano é
abandonado pelo Estado para, no ano seguinte, enfrentar novamente as filas da
atribuição (que na Zona Norte foram das 10 horas da manhã até as 5 da
madrugada) para conseguir o seu ganha pão do ano.
Falta de direitos, baixos salários,
desemprego, péssimas condições de trabalho é o receituário neoliberal para a
educação, que foi aplicado à risca pelos Estados. E uma das coisas que não
podem faltar nesse receituário é a política de divisão da classe, a qual se
refletiu em nossa categoria. O governo dividiu os professores entre os
efetivos, os estáveis e os professores categoria O, e com as
derrotas da categoria, provocadas pela burocracia sindical da Articulação, que desmoralizou
a categoria docente estadual.
A morte do João questiona a burocracia da APEOESP
João foi demitido, assim como outros
professores que perderam seus empregos e aposentadorias. APEOESP, o maior sindicato
da América Latina, fez absolutamente nada para tais professores demitidos, mas
antes de que caiamos numa lógica antissindical (onde o senso comum prega que
"o sindicato bota o trabalhador na linha de frente, mas na hora do vamos
ver o deixa sozinho’’) temos que discutir o que é a burocratização dentro do
sindicato.
A primeira reunião da diretoria
estadual da APEOESP, após eleições sindicais, foi meramente para discutir os
privilégios dos diretores. A APEOESP virou uma máquina de privilégios em que
grande parte dos diretores têm uma vida totalmente distinta da que vive a
categoria. E quando existem privilégios, é bem comum cairmos na lógica do
‘’deixa cuidar do que é meu’’. E foi isso que aconteceu no caso de João,
enquanto Bebel, o Felício e toda a burocracia estão cuidando "do que é
seu", um professor que fazia parte da categoria e da classe trabalhadora
morreu.
Tal burocratização do sindicato se deve
ao atrelamento do sindicato ao Estado burguês, onde os "dirigentes da
categoria" recebem inúmeros privilégios para servirem de correia de
transmissão da burguesia dentro em meio aos trabalhadores. As reformas dentro
da época imperialista só podem vir através de migalhas para os trabalhadores,
prova disso é a política de bônus para a categoria.
A categoria dos professores
protagonizou uma importante greve em 2000 e o seu principal obstáculo foi a
direção da APEOESP. A partir de então, aconteceu uma imensa desmoralização
dentro da categoria, e os professores passaram a não ter o mesmo poder de
reação como tiveram naquela greve. É preciso que nossa categoria ande em
conjunto com o espírito de junho e dos garis do Rio de Janeiro, o qual mostrou
que a luta é a saída para as mazelas do capitalismo. Mas para isso é preciso
que os professores recuperem a APEOESP e retomem seus métodos de
auto-organização. Assim, conquistaremos nossas demandas e reverteremos essa
situação.
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