Do assassinato de Felipe Ramos Paiva
à operação “Saturação” da PM
Desde o assassinato do estudante
Felipe Ramos Paiva, da FEA, em 18 de maio de 2011, abriu-se uma importante
discussão sobre a segurança das pessoas que circulam na USP; mais do que isso,
uma polêmica sobre a polícia militar dentro e fora do campus.
A USP é uma universidade de elite,
socialmente falando, já que é majoritariamente de classe média e média-alta;
isso não é à toa. São pouquíssimas pessoas que conseguem passar pelo vestibular
(em 2012, dos 146.885 inscritos, foram aprovados 10.952, ou seja, cerca de
0,07%1), que funciona como um “filtro social”. Em geral, aqueles que
têm sucesso tiveram oportunidade de estudar em boas escolas ou, pelo menos,
dedicar-se integralmente a um cursinho particular, o que exige dinheiro.
Além disso, trata-se de um campus geograficamente
grande, isolado, mal iluminado e, durante à noite, há redução do número de
pessoas circulantes em razão de a entrada ser controlada nos portões de acesso,
e o reduzido número de cursos noturnos. Em outras palavras, é um local inseguro
em si.
Se somarmos isso à onda de violência
(em sua maioria de origem policial) pela qual passa São Paulo desde junho deste
ano, teremos então a justificativa para o clima de insegurança generalizada,
mais nitidamente vivida por alunos que moram perto do P3 e que vão a pé para
suas casas; por exemplo, há vários relatos recentes de tentativas de roubo, o
que tem assustado e gerado debates.
Diante dessa situação, mais uma vez,
abre-se uma polêmica sobre a necessidade de maior presença ostensiva da polícia
militar dentro e fora da USP. O objetivo deste texto é abrir um debate sobre o
papel da polícia aqui na Usp, e fora também...aliás, principalmente fora.
O que é a polícia?
Tanto a Polícia Civil quanto a
Militar são subordinadas ao Governo do Estado e, consequentemente, em última
instância, ao Governador. Não por outro motivo, o comando da ROTA (Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar, a denominada “tropa de elite” da polícia militar
paulista), por exemplo, é determinado pela Secretaria de Segurança do Estado.
Aliás, esse mesmo comando foi
substituído recentemente, em 26/09/123, quando assumiu o
tenente-coronel Nivaldo César Restivo no lugar de Salvador Maia. Ambos são réus
do processo do Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, resultando
na cruel e covarde morte de 111 detentos, sem chance de se defender. Antes
deles, estava Telhada (sabe? O 5º vereador mais votado de São Paulo...), o
“matador de bandidos” dos anos 80.
A ROTA vem protagonizando as
estatísticas de assassinatos (65 só até agosto deste ano, só por esse batalhão;
se considerar toda a PM, no primeiro semestre, são 2294) envolvendo
a polícia militar e, por isso, registrados como “resistência seguida de morte”
(e não como homicídios, que é o que de fato são).
Mas não é dessa forma que o Jornal Nacional,
a Record, SBT e a televisão em geral – principal meio de informação ao qual
temos acesso rotineiro – falam sobre a Polícia Miliar. Atualmente vemos
uma investida agressiva da “grande mídia” em favor da polícia, levantando um
discurso de que “bandido bom é bandido morto”. Não à toa a novela das oito
(Salve Jorge) tem, como “mocinho”, um militar de UPP (Unidade de Polícia
Pacificadora, que ocupa o morro para reprimir e assassinar a juventude pobre e
negra), o que rende um outro texto inteiro.
O que a mídia fala pouco é que, em
cinco anos, a Polícia Militar do Estado de São Paulo matou 6% mais do que TODAS
as polícias dos Estados Unidos juntas (considere que a população
norte-americana é quase oito vezes maior do que a de São Paulo)5.
Também divulgou pouco que, em um
relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, países recomendaram a
abolição da PM no Brasil, dentre outras medidas 6, sem falar
sobre o relatório da Anistia Internacional (vide referências para mais
informações)7.
Um papel político
Pensar em tudo isso pode nos levar a
duas conclusões incorretas:
1) Se
os (vários) grupos de extermínio ilegais forem eliminados, será uma polícia que
garanta a ordem e a segurança;
2) Se
a polícia não for militar (e, portanto, sujeita a trâmites legais exclusivos),
poderá ser julgada por seus crimes de forma justa e, portanto, garantir a
ordem.
Em ambas essas proposições, é
ignorado o papel POLÍTICO da polícia, ou seja, que ela estará
sujeita, em sua atuação, aos interesses do Poder Executivo, o Governador (no
caso da polícia Federal, à Presidente); em outras palavras, a polícia é
necessária para que se mantenha a ORDEM, esta ordem, injusta como é. A
ordem das classes dominantes. O capitalismo é um sistema de injustiças, exploração
e opressão, e necessita disso para sobreviver e seguir se reproduzindo. Para
garantir sua sobrevivência, esse sistema necessita de um aparato repressor que
corte pela raiz cada início de manifestação que possa ameaçar abalar sua
estrutura. E o papel político da polícia é exatamente este! Garantir que o
sistema de privilégios da minoria – o capitalismo – continua a se reproduzir.
Nesse sentido é que não se pode
defender ou reivindicar a polícia que garante um sistema injusto e assassino,
sob a falsa ideia de segurança. Não se pode reivindicar uma polícia que ocupa
morros em razão dos interesses políticos e econômicos em torno da Copa ou das
Olimpíadas; que reprime movimentos sociais e greves; que mata principalmente
pobres.
É importante deixar claro que não se
trata de uma questão pessoal contra o policial militar; independentemente de
como ele pense, ele assumiu esse papel, e o que ele faz determina quem ele é,
ou seja, materialmente o que ele faz garante que assassinatos e injustiças
sigam impunemente.
Dentro da Universidade, o papel que a
polícia cumpre não é tão diferente. Em uma Universidade de elite como a USP,
que tem seu projeto totalmente voltado para os interesses de uma minoria ligada
a grandes empresários, latifundiários, e aos interesses do capital, a polícia
entra para impedir que estudantes e trabalhadores questionem e se levantem contra
esse projeto, e lutem por outra universidade, aberta, com livre acesso, e
produzindo a serviço da ampla maioria da população.
Imediatamente: O que fazer?
Resta, então, pensar sobre o que
fazer diante desse problema tão concreto (segurança). Uma das críticas
mais comuns à questão da polícia, indiretamente respaldando essa corporação,
consiste exatamente no “ruim com ela, pior sem ela”.
Uma universidade mais segura é feita
por pessoas: alunos, professores, trabalhadores, visitantes, livre circulação
de pessoas, em suma, uma universidade mais viva, mais iluminada, com melhor
sistema de transporte, com moradias internas mais espalhadas, ocupando espaços
antes vazios ou escuros. Em outras palavras: Universidade aberta.
Uma guarda universitária contratada
também não responde ao problema, pois a guarda universitária cumpre dentro da
Universidade com os estudantes o mesmo papel que a polícia cumpre nas
periferias e favelas com seus moradores: vigiar e reprimir. A guarda
universitária é subordinada à reitoria, que é quem persegue e pune os
estudantes que se colocam contra o atual projeto de Universidade e lutam
justamente por uma universidade aberta!
A resposta aos casos de assaltos e
estupros é a auto-organização dos estudantes e trabalhadores! Um exemplo
interessante disso é o da UNICAMP: em resposta a uma série de estupros no ano
passado, os alunos organizaram um transporte próprio, especialmente para as
mulheres, que as levava embora das festas que havia dentro do campus. Festas,
aliás, que são também uma maneira de vivência e de garantir uma Universidade
viva, aberta, com livre circulação.
Nascemos e crescemos com respostas
prontas, com soluções montadas que nos são apresentadas maduras. Isso é mais
fácil, mas em geral ilusório também. A questão da segurança não tem uma solução
instantânea, não se trata de “Yes PM or Not PM dentro da USP”, PORQUE É FORA
DAQUI QUE O PIOR ACONTECE, nós sequer ficamos sabendo. Ou você sabe da
ocupação da PM na comunidade São Remo (favela ao lado da USP São Paulo, onde
moram vários trabalhadores efetivos e terceirizados da universidade)? Sabe
dos assassinatos, das injustiças? Sabe que há cerca de duas semana, a PM de São
Paulo tem assassinado cerca de 10 pessoas por dia, o que a mídia chama de
“guerra não declarada entre a PM e o PCC”. O real nome disso é “genocídio da
população negra das periferias”! E é por isso que a luta travada na USP ano
passado não apenas reivindicava o a PM fora da USP, mas dos morros, favelas e
periferias também.
A solução para a questão da segurança na
universidade não é instantânea, pois se trata, sim, de entender porque razão
não se pode defender a força material que garante injustiças e genocídios de
populações inteiras. Essa solução só se dará a partir do questionamento e luta
contra o atual projeto de universidade de elite, baseado no vestibular como
filtro social, ligando-se àqueles que estão fora da Universidade, que são
também os que mais sofrem a violência policial.
Por
uma universidade aberta e a serviço da população!
Pelo
fim do vestibular e estatização das universidades privadas!
Referências.
1. a. http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/01/30/908255/fuvest-antecipa-divulgaco-da-lista-aprovados-no-vestibular-2012.html,
acesso em 18/11/2012
1.b. http://vestibular.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/09/30/fuvest-2012-tem-mais-de-146-mil-candidatos-inscritos-primeira-fase-acontece-em-2711.jhtm,
acesso em 18/11/2012.
2. http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/defesa-e-seguranca-publica/policias-federal-civil-e-militar,
acesso em 18/11/2012.
3. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1159668-apos-alta-em-homicidios-governo-paulista-troca-comando-da-rota.shtml,
acesso em 18/11/2012.
4. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/10/01/policia-militar-paulista-matou-229-pessoas-no-primeiro-semestre-diz-ouvidor.htm,
acesso em 18/11/2012.
5. http://www.ibccrim.org.br/novo/noticia/13905-Em-cinco-anos,-PM-de-Sao-Paulo-mata-mais-que-todas-as-policias-dos-EUA-,
acesso em 18/11/2012.
6. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/paises-da-onu-recomendam-a-abolicao-da-policia-militar-no-brasil/,
acesso em 18/11/2012.
7. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120523_anistia_internacional_rc.shtml,
acesso em 18/11/2012.
8. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1159341-governo-nega-escalada-da-violencia-apesar-de-aumento-de-homicidios-em-sp.shtml,
acesso em 18/11/2012.
9. Revista da ADUSP, Outubro de 2012, p. 71 a 79, disponível em http://adusp.org.br/files/revistas/53/mat10.pdf
10. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/11/121117_prisoes_medievais_lk.shtml,
acesso em 18/11/2012.
11. http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2012/07/120725_recorde_homicidios_lk_rn.shtml,
acesso em 18/11/2012.
12. http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120725_violencia_sp_lk.shtml,
acesso em 18/11/2012.
13. http://www.brasildefato.com.br/node/11164,
acesso em 18/11/2012.
14. http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2012/07/pm-de-sao-paulo-se-tornou-sadica-e-assassina-acusa-procurador-federal,
acesso em 18/11/2012.
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