Juventude Às Ruas USP
Estamos em meio a uma grande crise que se expressa nos
campos econômico, político, ideológico e que apresenta à juventude de todo o mundo
uma perspectiva nada agradável para o futuro. As certezas que existiam na
Europa, por exemplo, com as políticas de bem-estar social já desmoronaram de
todo. As promessas dos governos populistas de toda a América Latina se provaram
grandes ilusões e já não convencem setores massivos que se enfrentam fortemente
com os aparatos repressores em todo o continente. No Brasil, a idealização do
‘país do futuro’ caiu por terra e todos os falsos avanços dos anos de governo
PT se chocaram com os limites impostos pelos interesses do Capital. Em todo o
mundo crescem assustadoramente os índices de violência, principalmente ligados
à repressão a movimentos sociais e às opressões, em um claro avanço de
ideologias conservadoras.
A crise de representatividade
O Brasil viveu um momento singular de lutas em junho de
2013, com as ruas sendo tomadas por milhões em todo o país. As revoltas, cujo
estopim foi a questão da tarifa do transporte público, se mostraram grandes
desfiles heterogêneos de indignações de uma juventude que assiste aos seus
poucos direitos serem retirados, sofre com a precariedade dos serviços públicos
e sente no bolso os efeitos de uma crise econômica mundial, ao mesmo tempo em
que vê grandes escândalos de corrupção ocorrerem sem que a casta privilegiada
de políticos sofra qualquer tipo de represália. Com gritos dos mais diversos
presos na garganta, milhões de jovens reencontraram na ação coletiva um espaço
para que sua voz fosse ouvida.
A partir das Jornadas de Junho e dos seus ecos no país a
ideia de uma crise de representatividade
se escancarou. Talvez a única linha que realmente tenha perpassado todas as
vozes de junho seja a descrença naquilo que está posto, a compreensão de que a política, no sentido mais corriqueiro do
termo, da forma como se faz hoje não dá conta de atender às necessidades da
população e que quando falta de um lado, sobra de outro.
O mote “não me representa” apareceu e aparece na maioria
das campanhas por demandas dos mais diversos tipos, principalmente no que tange
a questões tabu, defendidas a unhas e dentes pelos setores mais conservadores
da sociedade – como é o caso de políticos extremamente reacionários com grande
destaque na mídia, como Jair Bolsonaro e afins, defendendo políticas opressoras
e violentas. Em consequência, aos poucos foram surgindo as respostas pela
positiva, elevando determinadas pessoas a símbolos de lutas. É o caso de
algumas figuras públicas de posicionamento mais à esquerda e também com certo
destaque midiático, apesar de muitas vezes levantarem bandeiras que ficam aquém
da necessidade real da população e que não têm condições de atingir, ou sequer
discutem, as reais causas dos problemas, como ocorre com o Deputado Jean
Willys, do PSOL. Indo um pouco mais além, percebe-se o aumento de campanhas que
se articulam em volta da ideia do “somos todos...”, em um movimento de ocupar
simbolicamente o espaço vazio deixado por esse regime cuja representatividade
está sendo posta em xeque – campanhas que podem causar enormes polêmicas, como
no caso do atentado ao Charlie Hebdo, já que se trata realmente de uma disputa
sobre qual o caráter da mudança que deve ser feita em relação a esse regime que
se critica.
A grande questão, no entanto, é: que representatividade é
essa que está sendo questionada, quem a questiona e quem ocupa o espaço dessa
representação? Não à toa esse debate não está na mídia que alardeia a tal crise. Não interessa a ela dissecar o
regime para que compreendamos de fato quem são os sujeitos políticos envolvidos
no processo, muito menos assumir que a crise, mais do que de
representatividade, é de regime. Mas essas relações não são abstratas e a
indignação que levou milhões às ruas, ainda que por pautas diversificadas, não
foi uma coincidência ou um surto coletivo de subjetividades.
A democracia dos ricos não nos representa
A
descrença total na casta dos políticos pela compreensão acertada de que estes
são privilegiados em detrimento da esmagadora maioria da população e de que
governam para os próprios interesses é uma constante em todo o mundo, mas os levantes
que a tomam como premissa não têm dado conta de alcançar suas reivindicações.
Isso se dá porque toda a crítica tem sido direcionada aos políticos profissionais, ignorando que estes governam seguindo
determinadas regras.
Retomando
Marx, “O poder do Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios
comuns de toda a classe burguesa.”[1] Ou seja, este Estado que
hoje está posto em todo o mundo é um grande balcão de negócios para a burguesia
e responde aos interesses dessa classe, e não de outra, consciente e
atentamente, sempre disposto a alterar as suas formas de maneira a garantir a
sempre crescente exploração sobre a classe trabalhadora. A essas formas chamamos regimes – democracias,
ditaduras, monarquias -, e todas as diferenças que existem entre eles respondem
às necessidades momentâneas do capitalismo de flexibilizar as próprias
dinâmicas para garantir a exploração. Em outras palavras, são diferentes
aspectos da mesma ditadura do capital sobre os trabalhadores, que se utiliza de
aparatos como as forças armadas e polícias, a justiça, a Igreja, a mídia e toda
sorte de instituições para garantir a dominação burguesa.
O
Brasil vive a sua fase mais duradora sob um regime “democrático”. Este chega ao
Brasil e ao resto da América Latina como instrumento para uma ofensiva
neoliberal sobre esses países. Ou seja, a implementação de uma dita
“democracia” se dá por interesse da burguesia em um Estado que intervenha cada
vez menos na economia, mas que garanta o direito à propriedade de modo a
garantir o livre mercado, e que possa utilizar, ou melhor, utilize por via de
regra os seus aparatos repressores para conter toda e qualquer tentativa de
desvio da ordem.
Tomando
como exemplo a postura do PT diante do ascenso operário das décadas de 70-80,
que teve seu caráter bastante desviado pela separação das lutas econômicas e
políticas que criaram o melhor cenário para o neoliberalismo se firmar na
década de 90, vemos como a democracia burguesa se dá, necessariamente, na
contramão dos interesses da classe trabalhadora. Para se firmar como
alternativa eleitoral dentro do regime, o PT teve de incentivar fortemente e
com êxito a conciliação de classes, enfraquecendo a organização pelas bases e
tirando do horizonte a perspectiva revolucionária – o que ecoa ainda hoje. Os
únicos beneficiados por esse movimento, obviamente, são os burgueses que
conseguem avançar no seu projeto de superexploração.
Para
além da dominação econômica, a dominação ideológica é fortíssima, e nisso a
democracia burguesa é muito eficiente. Mascarado pela ideia de liberdade de
expressão, igualdade legal, direitos civis, concessões dadas a partir de
pressão de mobilizações pontuais e o próprio processo eleitoral, onde grande
parte da população efetivamente vota a cada dois anos, esse regime em nada é
democrático. Os representantes escolhidos “pelo povo” governam, não para quem
os elegeu, mas para os donos do capital. Nessa “democracia”, a política
econômica fica a cargo de funcionários de confiança de empresários e
banqueiros, já que não há nenhum tipo de eleição para definir quem vai gerir
instituições como o Banco Central ou a Receita Federal, por exemplo. O
orçamento público não é debatido a fundo no parlamento e não está nas mãos do
povo decidir se quase metade dele realmente deve ser utilizado para o pagamento
de dívidas interna e externa. O parlamento brasileiro é caríssimo, redundante e
não há nenhum esforço em se esconder a aviltante lista de privilégios dos
parlamentares, desde salários absurdamente altos (que os próprios têm direito
legal de aumentar) a benefícios de todo tipo, e isso pensando apenas naquilo
que está dentro da lei – cuja maior parte é elaborada, não pelo legislativo,
mas pelo executivo.
A
formação do parlamento é outra farsa da democracia burguesa. Apesar de existir
a possibilidade teórica de um partido organizado desde as bases conseguir
eleger parlamentares que exercessem seus mandatos em defesa da classe
trabalhadora e com a perspectiva de denunciar o jogo de interesses burgueses, a
realidade torna essa situação praticamente impossível de acontecer. A disputa
com os partidos da ordem dentro dos meandros do regime é impraticável para um
partido realmente comprometido com os interesses dos trabalhadores e com
independência financeira, já que este é um jogo que envolve milhões – fora a
visível disparidade entre, por exemplo, o alcance e o tempo da propaganda
eleitoral entre partidos “grandes”, ou melhor, altamente comprometidos com os
interesses burgueses, e “pequenos”, dentre eles os partidos da esquerda
tradicional, como o PSTU.
Esse
regime “democrático” também se apoia nos aparatos judicial e policial, além do
parlamento, para manter a dominação burguesa. O dito “país da impunidade” só
permite que saiam impunes os privilegiados; ao setor mais pobre, e principalmente
negro, da população a lei é aplicada duramente, superlotando os presídios
(sendo que boa parte da população carcerária já cumpriu toda a sua pena ou
sequer foi julgada), matando cotidianamente nas periferias em nome de uma
pretensa “guerra às drogas” e, agora, desejando encarcerar adolescentes de 16
anos por meio da aprovação da redução da maioridade penal.
Todo
esse quadro nos aponta claramente: a democracia em que vivemos é uma democracia
dos ricos. Em nada nos beneficia, não porque ainda não é madura o suficiente,
como tentam nos fazer pensar, mas porque nunca teve essa perspectiva. Ela surge
e se articula unicamente para garantir uma maior exploração sobre a classe
trabalhadora. A burguesia a defende não por ser uma classe “defensora da
liberdade”, mas, pelo contrário, porque é a melhor maneira de seguir podando a
liberdade da maioria esmagadora da humanidade e de seguir espoliando aqueles
que tudo produzem no mundo e que nada possuem além de sua força de trabalho,
cuja venda está diretamente relacionada à sua existência em meio à ditadura do
capital. Ao menor sinal de que não há mais para onde expandir seus lucros dentro
desse regime, os burgueses não terão pudor algum em destruir a dita
“democracia” que construíram.
Por uma juventude revolucionária
A juventude deve se colocar à disposição das fortes lutas
que se apresentam e se apresentarão. E para essas lutas serem efetivamente
vitoriosas é preciso ter clareza: não devemos ter nenhuma confiança nos
governos, sejam eles assumidamente reacionários, sejam os travestidos de
“populares”, que se utilizam hipocritamente de um discurso de “mal menor”
quando implementam ataques dantescos à classe trabalhadora e à juventude. Dos
partidos da ordem nada podemos esperar, e não virá de nenhum deles uma “nova
política”. A pretensa polarização que hoje se apresenta no país é uma falácia:
governam todos em prol da burguesia e seus interesses, e a disputa é apenas
entre quais serão os agentes dos ataques – eles virão independentemente da
sigla que os acompanhe. O rechaço à corrupção e aos corruptos não pode abrir
espaço para que se deposite qualquer tipo de esperança em outros atores do
mesmo teatro burguês.
Por dentro da
democracia burguesa a juventude e a classe trabalhadora não encontrarão nenhum
espaço para melhoria efetiva de suas condições de vida. Qualquer aparente
avanço que possa ser arrancado com muita luta gerará alguma perda em outro
canto. Também não há nenhuma vitória efetiva que a juventude possa alcançar
sozinha: sem se aliar à classe operária em nada avançaremos. O sistema que nos
nega direitos básicos tem como premissa o lucro sempre crescente, e isso se dá
por meio de uma exploração cada vez maior daqueles que tudo produzem. O sujeito
da transformação radical desta sociedade é a classe trabalhadora, e a juventude
que deseja essa transformação deve construir uma forte aliança com ela.
As Jornadas de Junho nos dão uma lição: a juventude tem,
sim, força e vontade para se levantar. Mas se levantar, apenas, não basta, é
preciso ter um programa que oriente essa luta: um programa revolucionário. As
soluções para os problemas que se apresentam e nos indignam não existem dentro
do sistema capitalista; é preciso lutar pela derrubada violenta das condições sociais existentes. E pra isso é
preciso que a juventude, aliada fortemente com a classe trabalhadora, tome para
si a convicção e a ambição que Trotsky tão brilhantemente nos colocou: “A vida
é bela. Que as futuras gerações a livrem de todo mal e opressão, e possam
desfrutá-la em toda sua plenitude.”
[1] MARX
e ENGELS. “Manifesto Comunista”, São Paulo: Boitempo, 2010. In: LANFREDI, Leandro.
Apontamentos para avançar da crítica aos “políticos” à crítica da democracia
dos ricos. Luta de Classes – Revista de política e cultura, no2, 2014.