No último
dia 22 de novembro, por iniciativa da Juventude às Ruas, foi
realizada uma importante teleconferência com debate
internacionalista com ativistas do Estado Espanhol na sala 2072 da
FAFICH-UFMG, onde estiveram presentes estudantes de diversos cursos
da unidade e também de fora universidade. O debate contou com cerca
de 30 pessoas, o que é um importante número visto ser este um
debate ainda alheio da atividade militante do movimento estudantil
tradicional, mesmo que em plenas eleições estudantis.
Ampliar a
discussão em torno da crise da Europa, tirar lições e de dar
solidariedade internacionalista ativa à luta da juventude e dos
trabalhadores, que vêm se enfrentando com duros planos de ajustes e
ataques a direitos históricos é necessário para qualquer agrupação
revolucionária da juventude, dentro ou fora da universidade.
Com
Salvador e Leire, do outro lado do atlântico, militantes do grupo
Clase Contra Clase e da agrupação revolucionária No Pasarán
pudemos discutir essa luta que encontrou um ponto de inflexão no 14N
(greve geral do dia 14 de novembro, convocada pelas principais
centrais sindicais espanholas), e mostrou, mesmo sem uma coordenação
ativa, tendências à unificação internacional das lutas entre os
diversos trabalhadores da Europa como método para responder
solidamente aos ataques de Merkel.
Para nós,
da Juventude às Ruas, foi uma grande oportunidade para discutirmos
como é necessário nos prepararmos desde já para enfrentar também
no Brasil os impactos desta crise estrutural do capitalismo. A
apropriação de algumas lições fundamentais em que vem avançando
o movimento de juventude e de trabalhadores na Europa é fundamental
para, não se deixando levar pela situação subjetiva de passividade
e o clima reformista advindos dos anos de governos Lula e Dilma, nos
prepararmos antecipadamente para os duros embates e desafios
históricos que a crise capitalista traz para toda a classe
trabalhadora e para a juventude à nível mundial.
Crise
Política e Social no Estado Espanhol
A
teleconferência iniciou com Salvador fazendo uma exposição de
algumas características da situação objetiva no Estado Espanhol
(EE), principalmente a partir do 14N, e que respostas tem dado o
movimento de massas, desde 2011.
Assembléias
de bairros, coordenações de luta por setor do funcionalismo
público, entre outros organismos de luta ou organização de
trabalhadores têm surgido como instrumentos fundamentais para levar
adiante a luta contra os ajustes. Apesar dos duros ataques e da
disposição de luta dos trabalhadores em geral, a burocracia
sindical, com seu peso histórico de direção nas principais
centrais sindicais do EE (CCOO e UGT), tem cumprido um papel de
contenção dessas lutas, impedindo que a classe operária possa dar
uma resposta contundente aos ataques, utilizando de seus métodos
históricos de organização e luta e impondo um programa classista
independente dos governos para dar saída à crise.
Greve
geral de 14N: classe trabalhadora em cena!
Porém,
no dia 14 de novembro esse muro de contenção mostrou suas
primeirasa rachaduras, pois se mostrou toda a potencialidade de luta
que a classe operária tem se confia nos seus próprios métodos de
luta e mobilização para enfrentar os ataques do governo (greve
geral, piquetes, assembléias, etc). Esta mobilização esteve,
diferente do que ocorreu no 15M, em 2011, pautada bastante pela
centralidade da classe trabalhadora como sujeito social que pode
enfrentar o governo e as patronais. Enquanto o 15M se pautava pela
discussão de movimento cidadão, onde a classe operária, longe de
ser o principal sujeito da mobilização, era apenas mais um dos
sujeitos sociais presentes (entre indignados, desempregados,
estudantes e jovens trabalhadores), sem a devida centralidade, nesta
jornada de luta ficou em primeiro plano o papel superior que esta
classe pode cumprir, hegemonizando as demandas de todos os setores
que sofrem ataques, sejam desempregados, aposentados, trabalhadores
precários ou jovens (que como ressaltou Salvador, muitos compõe a
dita geração Ni-Ni, ou seja, não tem acesso “nem ao emprego, nem
ao estudo”).
Nas
jornadas do 14N, Salvador apresentou para nós, tão distantes
geograficamente do processo que ocorre no EE, como os diversos
setores da classe trabalhadora tem se articulado para enfrentar os
planos de ajuste do governo e da troika. Apresentou-nos como os
diversos setores do funcionalismo público, tem organizado suas
fileiras e sido os primeiros a responderem mais massivamente aos
ataques. Por outro lado, ressaltou a crescente participação da
classe operária concentrada nos grandes complexos industriais nas
mobilizações, o que traz um peso objetivo maior para a mobilização,
já que estes setores são responsáveis pelo cerne da produção
capitalista no EE, e em todo o mundo.
Mineiros
em luta: a potencialidade da aliança revolucionária entre a
juventude e a classe trabalhadora mais uma vez pôde ser sentida nas
ruas de Madrid!
Do ponto
de vista da situação subjetiva, Salvador ressaltou o grande ponto
de inflexão a luta dos mineiros do carvão, iniciada em junho deste
ano e interrompida por manobras da burocracia sindical, que levantou
a greve indefinida confiando em um acordo com o governo que adiou o
fechamento das minas pra 2014. Esta luta, por ser protagonizada
diretamente por um setor da classe operária do EE espanhol que tem
uma enorme tradição de intervenção política, sendo os que
estiveram na linha de frente no combate contra as tropas fascistas em
1936, durante a guerra civil espanhola, e na década de 1970 também
sendo protagonistas na luta contra a ditadura franquista, teve uma
importância simbólica muito grande para a subjetividade da
juventude e dos desempregados e trabalhadores precários das cidades.
No dia 08 de julho, ao chegarem em Madrid na chamada Marcha Negra, os
mais de 200 mineiros de diversas comarcas foram recebidos por dezenas
de milhares de pessoas, cantando palavras de ordem como “Madrid
Obrero apoya los mineros!” e “No hay solucíon sin revolucíon!”.
A potencialidade da aliança revolucionária entre a juventude e a
classe trabalhadora mais uma vez pôde ser sentida, ainda que de
maneira incipiente, nas ruas de Madrid, como não se via a muito
tempo.
Outro
aspecto abordado por Salvador, e que para nós traz uma proximidade
ainda maior com a situação política do EE, foi a permanência de
instituições advindas do regime franquista no atual regime
democrático. A subjugação das nações que estão contidas dentro
do EE, como a Catalunha, a Galiza e o País Basco; a não-punição
dos responsáveis (executores e mandantes) por torturas, mortes e
desaparecimentos na ditadura franquista e também o regime
universitário autoritário, além da manutenção do aparato
policial repressivo, são heranças do regime militar franquista que
podemos dizer que também estão presentes no estado brasileiro como
heranças de uma ditadura militar.
A
juventude nas universidades ao lado dos trabalhadores e contra a
repressão estatal! Liberdade aos presos políticos!
Leire deu
bastante ênfase na atuação do Clase contra Clase (CcC) e da
Agrupação Revolucionária No Pasarán no decorrer do processo de
luta.
Frente ao
corporativismo que ainda é um obstáculo para unificar as fileiras
da classe trabalhadora, o CcC tem exigido na luta a organização de
encontros de trabalhadores dos diversos setores, onde se possa
discutir um plano de luta unificado, não só nacionalmente, mas em
toda a Europa mobilizada, para que se rompa o isolamento dos diversos
setores em luta, e se unifiquem as fileiras da classe trabalhadora.
Leire
mostrou como alternativas da juventude por fora de uma estratégia de
unificação da classe operária que possa se aliar com os setores
combativos da juventude cumprem um papel no mínimo desmobilizador.
Um problema que existe hoje no Estado Espanhol é o desvio do
movimento de massas para os bairros, isolando as diversas iniciativas
em seus próprios bairros, sem uma coordenação mais ampla. Os
setores que tomam à frente este tipo de política são
principalmente os autonomistas, que ao invés de organizar a luta
contra o estado e a repressão, defendem a construção de movimento
alternativos, não para enfrentar o estado burguês, mas para
sobreviver como inquilinos a este estado. A negação destes grupos
em pautar a forte denúncia da repressão policial e uma campanha
contra a repressão, leva na prática a muitas vezes jogarem a culpa
na “violência” dos manifestantes (como se houvesse algo mais
violento que as taxas de pobreza, endividamento e desempregado da
população do EE) pelo avanço da repressão do estado.
Leire nos
contou também como foi a formação de uma agrupação
revolucionária nas universidades (Agrupação Revolucionária NO
PASARÁN), que tinha por pontos básicos a luta anticapitalista,
contra o imperialismo e que paute também a denúncia e luta contra
as heranças do regime militar franquista no EE. Neste sentido essa
agrupação deu importantes passos para consolidar uma aliança
operária-estudantil que possa avançar nestas questões. Na
Universidade de Barcelona, onde o nível de combatividade é maior, a
organização impulsionou a solidariedade ativa aos trabalhadores em
luta, organizando expedições à fábricas em greve, participando de
assembléias de trabalhadores. Leire conta como para eles foi muito
impactante quando os trabalhadores que eles tinham apoiado foram
também à universidade participar das assembléias estudantis e
discutir com os estudantes. Na greve geral do dia 29 de março, a
agrupação também desenvolveu a solidariedade ativa, participando
dos piquetes operários e das marchas. O grupo também impulsiona um
curso de formação marxista e trotskista, para aprofundar a
apropriação da síntese histórica da experiência da luta de
classes que expressam os escritos de Trotsky, Marx e Lênin.
Intervenções
dos estudantes e militantes presentes: um debate vivo e buscando
lições da luta no EE
Depois da
exposição de Salvador e Leire, o debate foi aberto para a
intervenção dos participantes.
A
primeira intervenção foi feita por Bizoca, militante do Instituto
Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania (IHG), que primeiro
saudou a importância do trabalho dos militantes no EE e a iniciativa
de socializar em Belo Horizonte este trabalho através do debate
organizado pela Juventude às Ruas. Em seguida, fez referência aos
processos de transição pactuada no Brasil e no Estado Espanhol para
questionar os resquícios da ditadura franquista no EE e como a luta
contra o franquismo está sendo incorporada na luta contra os
ajustes. Bizoca também perguntou como se dá a militarização das
cidades e das perseguições políticas.
Em
seguida intervieram outros três estudantes, com diversas questões
sobre a situação política no Estado Espanhol. O governo tem usado
de medidas paliativas para conter a população e os protestos? Quais
as possibilidades de uma resposta internacionalista para a crise? Há
saídas à médio ou longo prazo para a crise? A saída da União
Européia poderia constituir uma alternativa nesse sentido?
Como
no Brasil, um regime herdeiro da ditadura militar!
Salvador
retomou a fala dizendo que apesar de acontecerem homenagens aos
militantes mortos e desaparecidos, atos públicos, não se pauta
diretamente o juízo e punição dos responsáveis por torturas,
mortes e desaparecimentos durante o regime militar. A recusa de
punição dos responsáveis mostra o comprometimento do governo atual
e do regime como um todo com instituições e agentes do regime
militar.
Salvador
então ressaltou o incremento substancial da repressão a partir do
avanço do movimento de massas. Com cerca de 2000 presos políticos
no EE, mais de 90% deles são militantes independentistas bascos. Nos
preparativos do estado para enfrentar a greve geral do dia 29 de
março, foram decretadas diversas prisões preventivas de 15 dias
para militantes, estudantes e trabalhadores, ativistas do processo de
organização da greve. Além das cargas policiais, com bombas de
gás, balas de borracha e muita violência, durante as marchas e em
repressão às mobilizações.
Frente
a crise, os governos e a burguesia só podem responder com ataques
aos trabalhadores e à juventude
Com
relação às concessões, Salvador respondeu enfaticamente: não há!
Segundo o militante, são ataques em todos os aspectos, que
praticamente extinguem o colchão social existente no EE, levando a
situação à uma conjuntura cada vez mais explosiva.
A
necessidade da unificação da classe operária internacionalmente e
a luta contra o imperialismo do próprio país
Sobre o
internacionalismo, Salvador esclareceu que, mesmo que os ritmos sejam
diferenciados nos diversos países da Europa, a argumentação que
tenta colocar os trabalhadores de um país contra os do outro cai por
terra quando vemos que uma vitória, por exemplo, dos trabalhadores
do Brasil sobre uma multinacional espanhola na verdade significaria
um espaço maior para fortalecer a luta dentro do EE. Nesse sentido é
importante para eles também levantar a luta contra o imperialismo de
seu próprio país.
“Nos
marcos do capitalismo, é impossível haver uma saída progressista
para a crise!”
Para
responder a pergunta sobre as saídas da crise, Salvador começou
esclarecendo que, nos marcos do capitalismo, é impossível haver uma
saída progressista para a crise. As posições reformistas, como do
Syriza e da IU, que propõe uma “democratização” da União
Européia, uma tentativa de tornar “mais social” o que na verdade
é um acordo entre potências imperialistas (estamos falando da UE),
são posições utópicas. A saída que propõe também os
stalinistas, como por exemplo o KKE na Grécia, de uma saída da UE
nos marcos do capitalismo, só pode significar ataques aos
trabalhadores uma vez que, com a volta das antigas moedas, se abriria
uma crise monetária como ocorrido na Argentina em 2001. Para
Salvador, os trabalhadores devem lutar pela única saída possível,
a derrubada do regime e da UE, abrindo caminho para uma verdadeira
união dos povos na Europa, os Estados Unidos Socialistas da Europa,
única saída progressista nos marcos desta crise.
“Essa
é uma mostra de como o movimento estudantil no Brasil não pode ser
aquele que disputa DA's e DCE's por fora de se ligar à classe
operária e às lutas internacionais.”
O debate
foi encerrado com uma última pergunta de um estudante, que após
ressaltar a importância que a greve geral, saudou também a
atividade por trazer essas discussões à universidade. Ressaltou a
importância de que essa é uma mostra de como o movimento estudantil
no Brasil não pode ser aquele que disputa DA's e DCE's por fora de
se liga à classe operária e às lutas internacionais. Continuou
desenvolvendo como para responder a crise, somente a greve geral não
basta e perguntou sobre novas atuações e organizações
independentes da classe operária, e qual a saída que eles veem do
ponto de vista estratégico da organização da classe.
Uma
saída estratégica para a classe operária e a juventude fazer com
que a burguesia pague pela crise!
Salvador
respondeu como que frente à magnitude dos ataques e a situação
objetiva, ainda estão muitos atrasados os aspectos subjetivos
ligados à uma saída independente da classe trabalhadora para a
crise. Conforme a situação se acirra no plano da luta de classes,
novos fenômenos políticos emergem como alternativa para dar uma
saída à crise. Pela esquerda e pela direita surgem novos fenômenos
políticos que são baseados em alternativas nacionalistas utópicas
para responder à crise, sejam estas reformistas ou de cunho
fascista. Para Salvador, a classe operária tem que superar suas
direções reformistas ou ligadas aos governos e dotar-se de um
programa revolucionário e anticapitalista. Isso só pode ser feito
através de um plano de luta que incentive a auto-organização desde
as bases de trabalhadores capaz de buscar a aliança com estudantes e
com todo o povo atingido pela crise. A tarefa do Clase contra Clase
e da FT-CI como um todo é aportar para construir essa alternativa
revolucionária no sentido da construção do partido mundial da
revolução socialista, a Quarta Internacional, capaz de levar à
cabo a tarefa da revolução socialista em todo o mundo.
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